13.11.10

Democracia contra regime “austeritário”, texto de Sandra Monteiro, na edição de Novembro do Le Monde Diplomatique em português


Democracia contra regime «austeritário»
por Sandra Monteiro



A 24 de Novembro, a greve geral convocada em Portugal pelas duas centrais sindicais, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a primeira desde 1988, vai juntar-se às amplas movimentações sociais de contestação às medidas de austeridade orçamental que os governos da União Europeia têm vindo a adoptar. Essas medidas têm em comum o facto de deixarem incólume um sector financeiro que, apesar de ser responsável pela crise, está a ser consentidamente deixado à solta pelos poderes públicos para regressar, como já regressou, à realização de lucros tão astronómicos quanto imorais. E têm também a uni-las a escolha que os governos europeus fizeram de penalizar, pelo contrário, aqueles que apenas vivem do seu trabalho ou aqueles que subsistem através de prestações sociais para as quais descontaram antes da reforma ou do desemprego, bem como os que sobrevivem com subsídios a que se vêem obrigados a recorrer ao serem atingidos pela pobreza. Uma escolha a todos os títulos desastrosa, porque regressiva em termos societais e recessiva em termos económicos.

Na verdade, os governos europeus, independentemente da sua cor política, parecem sentir-se mais mandatados para defender os direitos inalienáveis dos mercados do que os dos cidadãos. Com os primeiros têm compromissos sérios, que não podem deixar de honrar; com os segundos têm combinações frouxas, que podem substituir pela imposição de duríssimos sacrifícios. Só assim se explica que tais governos se tenham posto em sintonia para congelar e cortar salários, pensões e a generalidade das prestações sociais; para utilizar a pressão de um desemprego duradouramente acima dos 10% de modo a nivelar por baixo os direitos laborais; e para promover um aumento das desigualdades socioeconómicas e uma degradação dos serviços públicos, ameaçando fazer colapsar o Estado social.

O regime democrático, de que o Estado social é um dos pilares fundamentais, encontra-se sempre ameaçado quando as políticas salariais, fiscais e de acesso aos serviços públicos fundamentais não são suficientemente universais nem redistributivas para reduzirem o fosso das desigualdades socioeconómicas. Era já o que acontecia antes da crise em países como Portugal, um dos mais desiguais da Europa. Mas esta resposta à crise veio juntar-lhe um outro fosso, que põe em perigo as bases políticas de qualquer democracia, que é o fosso entre as políticas implantadas e os programas políticos com que os governos foram eleitos. Também neste aspecto, o caso português é um exemplo flagrante dessa dissociação, a qual encerra um forte potencial corrosivo das próprias bases em que assenta a representação democrática, como expressão da vontade dos cidadãos. O preço a pagar por agentes financeiros felizes e capazes de enriquecer pelo controlo do acesso ao crédito (e das condições em que esse acesso se faz) poderá bem vir a ser, não apenas economias submersas em recessões prolongadas e sociedades mais desiguais e com menores níveis de bem-estar, mas também democracias tão irreconhecíveis que se tornam irrelevantes, senão mesmo dispensáveis.

O novo regime que está a ser imposto como inevitável na União Europeia, e que bem se pode chamar regime «austeritário», representa uma séria ameaça para o contrato político, económico e social em que se fundamenta a democracia. A firme recusa dessa ordem insustentável que os movimentos sindicais e sociais estão a mostrar aos governos da União Europeia, de Atenas a Paris, de Madrid a Bucareste (ver o dossiê dedicado ao tema nesta edição de Novembro), vai em Novembro passar por Portugal. O povo europeu em construção, fazendo lembrar o operário em construção do belo poema de Vinicius de Moraes, faz, com a sua recusa da austeridade, uma clara aposta na democracia − uma democracia substantiva e não para especulador ver.

Do êxito do movimento social vai depender em grande medida a possibilidade de se inverter o rumo das desastrosas políticas de austeridade. Mas este movimento coloca desde já na agenda política e social, além dos conteúdos concretos que defende, algumas questões que não estavam propriamente nos planos dos que gostariam de convencer os cidadãos a aceitar, sem resistência e sem esperança, estes e os próximos pacotes de austeridade. Entre essas questões encontra-se certamente a do aprofundamento de caminhos de solidariedade, seja ela entre gerações (dos estudantes aos reformados), entre trabalhadores em diferentes situações (assalariados, precários, desempregados) ou entre trabalhadores de diferentes regiões e países (veja-se o caso dos trabalhadores belgas da Total, que em Outubro bloquearam os depósitos de combustível de que precisavam as companhias petrolíferas francesas, assim apoiando os grevistas franceses).

Não haja dúvidas, as possibilidades de inversão das políticas de austeridade que o movimento social abre são de tal forma preocupantes para os governos europeus que a reacção será enérgica, e tão concertada quanto as políticas que o motivam. Todas as novelas orçamentais serão alimentadas pelas forças políticas que defendem as medidas de austeridade, não tanto para deslocar as atenções para diferenças que podem ser pequenas entre os protagonistas, mas para instalar entre os cidadãos um sentimento de desilusão com «a política» e «os políticos», visivelmente incapazes de resolverem os verdadeiros problemas com que eles se confrontam entre novelas − desilusão essa que é o caldo de todos os populismos e derrapagens autoritárias. Os meios de comunicação seguirão estas peripécias com a grande excitação do directo, da fulanização e da história rocambolesca que se conta a si mesma. Mas seguirão também algumas greves e manifestações, salientando o mais leve episódio de violência que possam associar-lhes e pondo em palco comentadores e analistas que, vindos agora prioritariamente do campo da sociologia e outras ciências sociais, farão tão pouco pelo pluralismo de opinião na comunicação social como acontece já hoje com os concordantes economistas que vemos nos ecrãs das várias televisões.

Seja como for, a simples existência de movimentos como a greve geral de 24 de Novembro são fortes sinais de que ainda há, mesmo entre os mais prejudicados pelo regime «austeritário», cidadãos apostados em defender a democracia. Os poderes públicos, e em particular os governos que mais se queixaram de não ter alternativa, de que a pressão dos mercados é demasiado forte (como o português), têm aí uma oportunidade de reajustar as suas políticas pelo diapasão da democracia substantiva. Irão fazê-lo?

quinta-feira 4 de Novembro de 2010


http://pt.mondediplo.com/spip.php?article773



SUMÁRIO NOVEMBRO 2010
Le Monde diplomatique – edição portuguesa, II Série, n.º 49
(índice de artigos)

EDITORIAL

• «O despertar francês» (Serge Halimi)

GREVE GERAL

• «Democracia contra regime “austeritário”» (Sandra Monteiro)

OUTRAS ECONOMIAS

• «A economia política da austeridade orçamental» (João Rodrigues)

GREVES, CONTESTAÇÃO SOCIAL: A FIRME RECUSA DE UMA ORDEM INSUSTENTÁVEL (dossiê)

• «Para sair da armadilha» (Slavoj Zizek)

• «“Metro, trabalho, sepultura”» (Danièle Linhart)

• «Esquecer os “Nobel”, vencer o desemprego» (Dany Lang e Gilles Raveaud)

• «Media e políticos: tréguas de conveniência?» (Pierre Rimbert)

• «Hospital público à venda» (Anne Gervais e André Grimaldi)

• «“Não, é o tornozelo…”» (Renaud Lambert)

PRÉMIO NOBEL LITERATURA

• «Os dois Mario Vargas Llosa»(Ignacio Ramonet)

PROJECTO 3 iii

• «Inovação + Independência = Identidade» (depoimento de Miguel Vale de Almeida)

PRECARIEDADE EM PORTUGAL

• «Imigração: a precariedade como regra de vida e mecanismo de regulação social» (Mamadou Ba)

EXPANDIR A ACÇÃO SINDICAL

• «Sindicalismo e precariedade» (Hugo Dias)

NO TRABALHO, A LÓGICA DO LUCRO MATA

• «Produção primeiro, segurança depois» (Paulo Granjo)

ELEIÇÕES ESTADOS UNIDOS

• «Ainda mais à direita: a aposta vencedora da direita americana» (Walter Benn Michaels)

• «No Texas, o Tea Party impõe o seu estilo» (Robert Zaretsky)

ALIANÇAS INSÓLITAS

• «Índia-Israel: uma parceria inédita e confidencial» (Isabelle Saint-Mézard)

• «Amizades particulares entre Nova Deli e Teerão» (I.S.-M.)

• Cronologia (1920-2009)

POLÍTICA INDUSTRIAL DE LONGO PRAZO

• «Como a China venceu a batalha dos metais estratégicos» (Olivier Zajec)

• Cartografia (Philippe Rekacewicz)

IMIGRANTES AFRICANOS NAS MALHAS DA MÁFICA CALABRESA

• «Várias faíscas para uma explosão» (Christophe Ventura)

UMA DEMOCRACIA EM BUSCA DE SI PRÓPRIA

• «Indonésia: muçulmanos contra islamitas» (Wendy Kristianasen)

• Cartografia (Philippe Rekacewicz)

DECLÍNIO DIPLOMÁTICO DO CAIRO

• «Onde pára o Egipto?» (Sophie Pommier)

ASCENSÃO DE UMA COMPANHIA AÉREA

• «A Emirates Airways quer fazer o Dubai redescolar» (Jean-Pierre Séréni)

• «Perfil da companhia» (J.-P.S.)

• Alguns números

ESCRITOS DO MÊS

• Manuel Carlos Silva, Classes Sociais (recensão crítica de Nuno Nunes)

• Eric Hobsbawm, Escritos sobre a História (recensão crítica de Nuno Dias)

• Santiago López-Petit, A Mobilização Global seguido de O Estado de Guerra e Outros Textos (recensão crítica de José Nuno Matos)

Jornada nacional de protesto contra a introdução de portagens nas scuts ( 15 de Novembro)

Acção de protesto contra portagens nas SCUT do Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata

Local:
Dia 15 de Novembro (Segunda-feira), pelas 18 horas, na Rotunda da Guardeira na N13, na Maia (perto do Vivaci Maia).


DIVULGUE E PARTICIPE!
Comissões de Utentes da A28, A41 e A42

http://www.naoasportagensnasscuts.com/
http://www.naoasportagensnasscuts.com/
http://naturalmentenaoportagensa28.wordpress.com/


Jornada Nacional de Protesto dia 15 de Novembro sob o lema, portagens não são um facto irreversível

As comissões de utentes das auto-estradas até agora “Sem Custos para o Utilizador” (SCUT) decidiram em reunião, realizada no Entroncamento, promover no próximo dia 15 de Novembro, uma Jornada Nacional de Protesto contra a introdução de portagens nestas vias e apelam aos utentes para manifestarem o seu descontentamento no dia da greve geral, em 24 de Novembro, integrando-se nesta Jornada Cívica de
protestos convergentes contra as injustiças, da forma que entenderem mais adequada.
As comissões acreditam que a introdução de portagens nas antigas e actuais auto-estradas sem custos para o utilizador não constitui um facto irreversível e tal como já sucedeu no passado com outras portagens, estas também podem ser anuladas. Nesse sentido, decidiu-se continuar a luta das comissões de utentes e dar nova dinâmica, a nível nacional, ao protesto.
O protesto do próximo dia 15, precisamente um mês depois da introdução de portagens nas três SCUT do Norte, terá as formas que forem decididas localmente por cada uma das comissões de utentes.

Esta reunião, a segunda a nível nacional mas a primeira depois da introdução das portagens nas SCUT do Norte, no passado dia 15 de Outubro, serviu ainda para fazer um levantamento do impacto da recente introdução de portagens e das acções realizadas de norte a sul do País.

A introdução de portagens saldou-se numa enorme confusão e enorme falta de respeito pelos milhares de utilizadores das vias que passaram a ser portajadas. De referir a falta de estruturas organizadas para venda de identificadores. Os atrasos na venda dos dispositivos electrónicos e na atribuição das isenções provocou um grande desvio de tráfego para as “pseudo-alternativas”, trazendo problemas de segurança a algumas localidades. Também os preços praticados são inadmissíveis, dado serem superiores aos das auto-estradas que oferecem melhores condições de circulação.

As comissões de utentes consideram, ainda, condenável que as lideranças políticas do PS, PSD e CDS/PP não tenham inviabilizado a revogação da introdução de portagens. O princípio do utilizador pagador é uma falsa questão, já que as vias em causa são infra-estruturas fundamentais para o desenvolvimento da actividade económica do país e as receitas geradas ultrapassam em muito os custos de manutenção.

O Estado ocultou estudos que provam que as SCUT são autosustentáveis, tendo em conta o aumento de receitas que advêm para as regiões que atravessam, só para ir buscar dinheiro de qualquer maneira.

As comissões de utentes apelam à urgente revogação da lei.
Comissões de Utentes Nacionais das SCUTS

Entroncamento, 06 de Novembro de 2010

Manifestação de Estudantes do Ensino Superior, 17 Novembro 2010 - Por uma acção social mais justa e um ensino igual para todos




Manifestação de Estudantes do Ensino Superior, 17 Novembro 2010

por um ensino mais justo e igual para todos.

por uma acção social mais justa,

por um maior investimento do ensino superior,

por um ensino superior de qualidade

Juntos pelo Ensino Superior,

Junta-te a esta luta que é de todos nós



O protesto contra a legislação que define a atribuição de bolsas de estudo está marcado para o dia 17 de Novembro, em Lisboa. Os estudantes pedem ao Governo a revogação do decreto-lei que define as novas regras na acção social.
A manifestação resultou de uma deliberação saída de uma Reunião Geral de alunos da Universidade de Coimbra.

Assembleia Geral dos estudantes da Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro aprova moção de solidariedade com a Greve Geral de 24 de Nov.

Moção de Solidariedade com a Greve Geral aprovada em Assembleia Geral

No dia 11 de Novembro de 2010, em Assembleia Geral Extraordinária foi aprovada uma moção (em baixo transcrita) de solidariedade com a Greve Geral de 24 de Novembro.


MOÇÃO

No próximo dia 24 de Novembro, as duas grandes centrais sindicais convocam uma greve geral como resposta às novas medidas de austeridade. Tendo em conta que:

- o financiamento do Ensino Superior tem sido cada vez mais suportado pelos estudantes, o que torna cada vez mais difícil o acesso aos estudos;
- a maioria dos jovens recém-licenciados têm vínculos laborais precários
- já mais de 12 mil estudantes tiveram de recorrer a um empréstimo bancário para financiar os estudos, entrando para o mercado de trabalho já endividados;
- o número de estudantes-trabalhadores tem vindo a aumentar, porque é cada vez mais difícil pagar os estudos;
- os estudantes do Ensino Superior vão ser grandemente afectados por estas novas medidas de austeridade no âmbito dos sucessivos PECs – que são os alvos da denúncia e crítica desta greve geral, nomeadamente através do decreto-lei 70/2010 que recalcula as prestações sociais e que retirará a bolsa da Acção Social Escolar a milhares de estudantes,

Os estudantes da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro reunidos hoje em Assembleia Geral, solidarizam-se activamente com a Greve Geral de dia 24 de Novembro, através de um comunicado às direcções sindicais e à imprensa, em nome da AAUTAD a solidarizar-se com a Greve Geral.

http://mutad.blogspot.com/


O MUTAD é um agrupamento universitário que não se contenta com a crise a que o ensino está votado, que não aceita a apatia generalizada e que não aceita a elitização do ensino superior e do seu acesso.

O MUTAD surge porque:
- queremos marcar pela diferença;
- porque queremos ter um espaço alternativo de discussão;
- porque queremos enfrentar as barreiras que nos impedem de alcançar uma universidade não mercantilizada que apenas serve interesses privados;
- porque exigimos um ensino superior público, inclusivo, universal, gratuito e de qualidade.

É um movimento que se quer apartidário, informal, democrático e não-hierárquico. E que repudia o aproveitamento de movimentos como este para proveito individual.

O MUTAD é um espaço aberto a todos os que nele queiram participar, a debater os mais variados assuntos, a participar nas mais diversas actividades que podemos organizar.

Porque acreditamos que uma outra universidade é possível onde os estudantes sejam ouvidos, onde os assuntos de interesse sejam discutidos abertamente, onde possamos inverter o marasmo do poder estabelecido e promover uma participação democrática séria de todos os que fazem a nossa universidade.