23.3.09

Concentração dos estudantes da FLUP (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) em frente ao portão da Faculdade (dia 24, às 12h.)


Dia 24 de Março - 12 horas - Concentração dos estudantes no portão da FLUP (Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
contra a ofensiva de que é vítima o Ensino Superior



Moção aprovada na Assembleia Geral de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto realizada no passado dia 4 de Março


Segundo o artigo 74º da Constituição da República Portuguesa, o ensino superior deve ser "universal, público e tendencialmente gratuito". Em tempos recentes, vimos assistindo à descaracterização da função social do ensino superior, com a desresponsabilização do Estado relativamente ao seu papel de garante das premissas constitucionais no que toca ao ensino. Na conjuntura que atravessa o país no presente momento, a importância do papel social do Estado revela-se mais pertinente do que nunca. Com efeito, considerada a extinção massiva de postos de trabalho e as dificuldades crescentes que atravessam as famílias portuguesas é cada vez mais difícil às famílias dos estudantes suportarem esta sobrecarga orçamental, num complicado exercício de substituição das competências basilares do Estado nesta matéria. Inevitavelmente, são muitos os estudantes que se vêem obrigados a abandonar a faculdade, já não por razões de insucesso, mas por incapacidade financeira para suportar as várias despesas inerentes: propinas, deslocações, alojamento, materiais pedagógicos, entre outras. Paralelamente, outros estudantes são remetidos para situações de precarização, recorrendo a outras formas de financiamento, tanto legais como ilegais, ou simplesmente abdicando de algumas necessidades básicas (alimentação, vestuário, alojamento, etc.), para garantir a sua continuidade no ensino superior, e ao fazê-lo, fragilizando o seu potencial de aproveitamento académico.

Esta situação coloca-se com especial gravidade aos estudantes da Faculdade de Letras da UP, por:
a) A FLUP apresenta o maior índice de alunos bolseiros no contexto da UP;
b) As bolsas afectadas aos alunos da FLUP são também as de valor mais elevado;

Estes dois factores são indicadores da debilidade dos estratos sócios-económicos dos quais provêm os estudantes da FLUP.


Acresce ainda um subinvestimento nas áreas alheias aos domínios das ciências exactas e tecnologias, inerentes às suas necessidades específicas, negligenciando necessidades específicas também da Faculdade de Letras (nomeadamente, a aquisição de livros para a biblioteca e outros apoios bibliográficos, como o tornar possível de fotocopias gratuitas de textos de apoio).

Com o Processo de Bolonha, as práticas de trabalho académicas converteram-se em práticas de Liceu, sem horizontes que confiram aos licenciados actuais mais competências do que meia licenciatura «à moda antiga».

A nova divisão em ciclos reduz as possibilidades e qualidade da formação. Os novos «licenciados» serão lançados para o mercado de trabalho como mão-de-obra desqualificada, ou prosseguirão os estudos sem qualquer apoio, confrontados com propinas de milhares de euros, num processo que, pelo crescente valor das propinas, agrava a elitização do ensino.

O RJIES afasta os estudantes dos órgãos de decisão das instituições e introduz «entidades de reconhecido mérito exteriores às universidades»: abre-se a porta da gestão das Faculdades às empresas, permitindo contaminar o mundo académico com o seu interesse, que é, todos sabemos, a obtenção de lucro. Na Assembleia Estatutária da UP, composta por 21 membros, apenas 3 são estudantes, e 5 são «entidades externas»...não é de estranhar, assim, que esta tenha decidido a passagem a fundação pública de direito privado, com a presença na sua gestão de «entidades externas» como Rui Moreira (Associação Comercial do Porto), Luís Portela (Presidente do grupo Bial) e José Luís Encarnação (empresa INI-GraphicsNet). A promiscuidade entre os interesses dos grandes grupos económicos e o serviço público é alarmante, e corre-se o risco de, em breve, as Universidades serem «hipermercados de mão-de-obra», e não um espaço de aquisição de conhecimentos. Em Aveiro, na Assembleia Estatutária têm assento representantes da Unicer, da Siemens e do grupo Martifer. Em Coimbra, o presidente do Conselho Geral é Artur Santos Silva, Presidente do Conselho de Administração do BPI. Está em causa a função social do Ensino Superior Público.

O Orçamento de Estado para 2009 espelha a asfixia a que o está votando o governo, empurrando-o para a mercantilização selvagem: o corte orçamental é real. Há um grave desinvestimento no Ensino Universitário e Politécnico (menos 11,6 % que em 2005), no que diz respeito às transferências para instituições de Ensino Superior Público. A Acção Social Escolar recebe menos 29,35% que em 2005. A par disto, é constituído um fundo concorrencial de quase 30 milhões de euros para que as instituições compitam entre si, favorecendo as que se tornam fundações ou criam consórcios. A estratégia de chantagem é explícita e obscena, revelando a vontade do governo de se desresponsabilizar pelo Ensino Superior.

As propinas, instituídas em 1991 por Cavaco Silva, actual Presidente da República, são, nestes tempos de crise, um muro a impedir que muitos continuem a frequentar a Faculdade: não podemos aceitar que estudar seja um luxo ao alcance de quem o pode pagar: aprender é um Direito, só assim será Universal, e só assim alcançaremos uma verdadeira Democracia aprofundada. As propinas em Portugal são já das mais caras da União Europeia. A Acção Social Escolar é manifestamente insuficiente, e nem sempre atribui apoios aos que mais precisam. Para se desresponsabilizar, o Governo criou os empréstimos, que mais não são que uma forma de financiamento da banca e endividamento dos estudantes, que no fim do curso serão confrontados com o desemprego (que já atinge 50.000 licenciados).

É urgente lutar por um Ensino Superior empenhado na formação integral do indivíduo e no progresso do país.

Não vale a pena fazermos de conta que tudo se passa «lá fora». Impõe-se agir: esclarecer, exigir medidas que devolvam ao país a Universidade que Abril sonhou.


Exigências dos estudantes da FLUP

Considerando o exposto, requeremos das autoridades competentes o seguinte:

1) A título urgente e de forma excepcional, suspender a cobrança de propinas a estudantes que apresentem aproveitamento escolar e cuja continuidade da frequência do ensino superior se encontre em risco, dada a conjuntura socio-económica.

2) A constituição imediata de uma comissão paritária (estudantes e docentes) empossada pelo Conselho Directivo que tenha como missão proceder à identificação dos principais problemas levantados com a aplicação do Processo de Bolonha e a consequente formulação de um conjunto de propostas para a operacionalização ao nível administrativo, lectivo e pedagógico dos principais bloqueios que vêm sendo denunciados pela comunidade académica.

3) Acautelamento, por via de um requerimento ao Conselho Directivo da FLUP e à Reitoria da UP, da não diminuição da representação relativa dos estudantes nos órgãos de decisão da Faculdade e da Universidade.


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