1.11.07

O branqueamento verde ou ecológico (greenwashing) ou como poluir limpo!!!


Aproveitando a actual vaga «verde» de luta contra o aquecimento global, as multinacionais e os governos têm-se esforçado por passarem uma imagem de serem entidades amigas e respeitosas do ambiente, nem que para isso tenham de apresentar produtos e políticas aparentemente ecológicas, mas que nos plano dos factos são-no muito pouco, ou mesmo nada. Do que falamos agora é do chamado branqueamento verde (greenwashing), por analogia com o famoso crime de branqueamento de capitais.


Algumas vezes a «ecologia» entra-nos pelos olhos dentro por via de uma mensagem publicitária: «daqui para a frente o sinal vermelho passa a verde» (BMW), «Um canto de céu azul»( EDF), «Objectivo: zero de emissões» (Toyota), «Para usarmos os carburantes do futuro, nós fazemos apelo à natureza» (Total). O abuso e a pouca-vergonha é tanta que já um grupos de associações e várias ONGs anunciaram a criação de um Observatório acerca do uso de argumentos e motivos de carácter ecológico que são utilizados na publicidade, cabendo aí, por exemplo, as imagens de viaturas todo-o-terreno e os jipes estacionadas ao lados de torrentes impetuosas de água, ou a última campanha da companhia de electricidade francesa que recorre a paisagens e fotografias de ilha da Páscoa à custa de deslocações por avião que, como se sabe, são fontes de emissão poderosas de CO2, muito embora no seus anúncios se fale que a empresa está a trabalhar para as gerações futuras.

Estas derivas promocionais da publicidade comercial das grandes empresas tornaram-se o pão nosso de cada dia e constituem a manifestação mais visível da recente tendência de embuste mercantil das empresas capitalistas em pretenderem vender gato por lebre, e um fenómeno que se designa por «branqueamento verde» ou «branqueamento ecológico», e que as multinacionais dos carros e as indústrias químicas se especializaram, mas cuja lição foi logo muito bem aprendida pelos próprios governos que pretendem lançar políticas e medidas, aparentemente amigas do ambiente, mas que se revelam altamente lesivas na natureza e da sustentabilidade dos recursos naturais. Tais práticas são apelidadas de «greenwashing» ( branqueamento verde ou ecológico) e consistem em fazer passar como amigo do ambiente algum produto, ou uma medida, decisão ou política governamental que não o são realmente no plano dos factos. Ou então que dissimulam, graças à grande mediatização de genuínas medidas ecológicas, um outro tipo de práticas ou de políticas extremamente poluentes, estas sim, muito mais significativas e com consequências poderosas no meio ambiente ( a este propósito, e sobre este tipo de técnicas de manipulação, fala-se de «efeito de halo»). No actual momento de grande difusão do «story-telling» ( técnica de comunicação baseada na construção de narrativas) as insondáveis vias do marketing atingem níveis paroxísticos de manipulação dos factos e da realidade.


É assim que Arnold Schwarzeneger, governador da Califórnia, desde 2003, prometeu caso fosse reeleito, converter em hidrogénio ( energia fabricada que não emite gás carbónico) um dos seus Humner ( ele possui 3 daquilo que são as versões civis dos veículos Humvee que são usados pelo exército norte-americano no Iraque, e que vieram a substituir os velhos Jeeps). Mas foi já num quarto veículo, um protótipo movido a hidrogeno, generosamente oferecido pela General Motors a tão excelso e fiel cliente, que ele se deslocou à estação de hidrogénio no aeroporto de Los Angeles, sob a mira oportuna das objectivas dos fotógrafos.
No Estado que detém o maior parque automóvel do mundo será que é sério querer proteger o ambiente possuindo um cada vez maior número de viaturas? Ou será que o que se pretende é ter uma boa consciência e ficar com um boa imagem pública sem beliscar minimamente a sua pegada carbónica, um índice que mede a emissão individual de CO2?

Com efeito, na contabilidade ecológica uma viatura «limpa» não vale mais que uma «suja». Em 2006 o Procurador-geral da Califórnia, Bill Lockyer, apresentou uma queixa contra a General Motors, a Ford, a Chrysler, Nissan, Toyota e a Honda acusando-as de deteriorarem o ambiente e a saúde pública. A justiça acaba agora de emitir um veredicto considerando que essa responsabilidade deve ser assacada sim ao legislador. Procedimentos judiciais como este, e a circulação de informações manipuladas acabam por beneficiar a General Motors que pode assim aproveitar-se da publicidade induzida por Scwarzeneger, que veio a adquirir, para cúmulo, a fama de ter sido o primeiro a votar e a fazer aprovar uma lei americana a obrigar a reduzir as emissões de gazes com efeito de estufa. Só por aí se poderá aquilatar até que ponto vai a intoxicação mediática nos dias que correm.

Ao fim de alguns anos da Cimeira da terra em que várias dezenas de países assinaram o protocolo de Quioto, os tratados e os acordos entretanto surgidos tiveram sem dúvida um efeito pedagógico, e a luta contra as mudanças climáticas e o efeito de estufa tornaram-se num dos objectivos mediáticos de qualquer governo que se preze no seio da comunidade internacional. A recente nomeação de Al Gore e do Giec para o Nobel de 2007 inserem-se aliás nessa linha. E até as próprias marcas de automóveis se mostram empenhadas em desenvolver modelos de viaturas ditas «limpas» ( movidas com biocombustíveis ou a hidrogénio), e de automóveis híbridos (combinando gasolina, diesel e electricidade) na esperança de terem um radioso futuro comercial.

E isto não acontece por acaso. Na verdade, o automóvel é por excelência o reino do greenwashing. Basta recordar que o Salão Automóvel de Frankfurt deste ano, que decorreu sob lema de ser «amigo da terra» há pouco mais de um mês, pretendeu ser uma vitrina daquilo que eles chamaram a «viragem ecológica» da indústria automóvel: com a Volkswagen e o seu label Blue Motion visando reduzir o consumo por Km; com a PSA Peugeot e Critroen a apresentar a sua 308 HDI , uma viatura híbrida da marca; com a Mercedes a exibir o seu sistema «Stop &Start» que corta o abastecimento no motor cada vez que se trava; e com a General Motors e o seu HydroGen4 municiado com um pilha de combustível… - tudo isso como tentativas de venderem uma imagem de «amigo do ambiente», só que ao mesmo tempo os mesmos potentados industriais pressionavam em Bruxelas para travar a norma sobre o CO2 que a União Europeia pretende impôr daqui a 5 anos e que sancionará os construtores que não respeitam o novo limite de 120g/Km de dióxido de carbono

O problema é que no balanço geral estas inovações tecnológicas acabam por ter um efeito muito mitigado face a outros fenómenos com maior dimensão negativa como a implementações dos biocombustíveis e as suas consequências no preço das matérias primas alimentares, a sistemática desflorestação e as consequentes deslocações massivas de populações inteiras em certas partes do planeta.

Mas as críticas não param aí: é que se é certo que as viaturas eléctricas não emitem CO2, não deixa de ser verdade que continua a ser necessário a produção dessa energia, com os seus respectivos custos, o uso de recurso para a sua produção e despesas suplementares para a sua reciclagem. Um processo que levou à conclusão, inserida num relatório parlamentar de 2005, que «na maior parte dos países do mundo a viatura eléctrica emitiria tantos gazes com efeito de estufa como os veículos térmicos». O mesmo se diga das baterias dos carros híbridos. Tudo depende do tamanho do veículo, do número de passageiros que transporta e do tipo de terreno em que se move. Certos híbridos, por exemplo, não têm o efeito economizador no consumo que se pretende passar. Tomando como modelo o Prius da Toyota, Philippe Defeyet, investigador no instituto para um desenvolvimento sustentável, afirma: «Uma pequena viatura consome tanto como um Prius, mas ainda tem mais necessidade de energia na fase da sua produção» ( in Business and Society, Junho de 2007) . O mesmo se passa com um Lexus híbrido que consumindo 7 a 8 litros aos 100 acaba por ser mais poluente que uma viatura clássica. Ou seja: um carro térmico transportando 4 passageiros é menos nociva para o ambiente que um carro «limpo» com só um passageiro. Trata-se do chamado «efeito de aspartan»: continuar a comer a mesma quantidade de alimentos açucarados – mesmo com um substituto – não emagrece; a única maneira eficaz é reduzir as rações.

Em matéria de respeito pelo ambiente uma maior eficiência energética nas viaturas é uma prioridade. Mas o horizonte de uma revolução high-tech conciliando produção sem desperdício, consumerismo e protecção do planeta é neste momento uma imensa intrujice. E o mesmo raciocínio é válido para o habitat – pouco vale colocar painéis solares para casas com péssimo isolamento térmico -, para os alimentos biológicos ( transportados por aviões ou outro meios poluentes desde a colheita, triagem, embalagem, armazenamento e venda).

Falar hoje de «branqueamento verde ou ecológico» é fazer pedagogia. Mais que apontar os agentes responsáveis ( Marcas, Governos, Consumidores,…) pela poluição, o importante é passar da etapa da petição de princípio – a primeira consequência de uma tomada de consciência – para a fase da inteligência da situação, da compreensão pelos processos em causa, intrinsecamente ligados ao fenómeno da globalização, aos mercados e fluxos financeiros, às políticas de mobilidade assim como às relações Norte-Sul.


(…)

Para quê regozijarmo-nos com a redução dos limites de velocidade nas auto-estradas, que fará descer automaticamente o nível de emissões de CO2, se ao mesmo tempo é anunciado a construção de mais 2.500 Km de vias rápidas e auto-estradas, e o fecho de umas tantas estações de caminho-de-ferro?

Como reduzir o impacto ecológico do crescimento económico se somos confrontados constantemente com os mesmos chavões capitalistas acerca da necessidade de garantir o crescimento económico, a livre concorrência, a descida dos preços, liberalizar e desregular os mercados, apostar na grande distribuição - se tudo isso nos conduz a uma economia baseada nos modos de produção intensivos, nos transportes de uma miríade de fornecedores, nos hipermercados acessíveis por meio de automóveis, etc.

Outro caso exemplar é o uso e o ressurgimento das bicicletas em algumas partes dos países desenvolvidos, como em França. A recente tendência de comprar bicicletas fez disparar as receitas e os lucros da JCDecaux, uma empresa francesa que fornece bicicletas e de instalação de painéis publicitários. A mesma empresa que já foi processada mais que uma vez pela associação francesa Paysages de France ( que luta pela preservação das paisagens) por ser a causadora de poluição visual, e que no passado dia 20 de Junho foi condenada por um tribunal pela infracção à legislação reguladora das paisagens, como informa a edição de Setembro do jornal La Décroissance que não deixa de interrogar-se: «Com uma bicicleta JCDecaux pedalamos a favor do planeta, ou estaremos a rolar a favor do capitalismo que o destrói?»

(…)

No passado dia 3 de Outubro a Autoridade holandesa de publicidade condenou a campanha promocional de uma empresa de produção de energia, a NUON, que declarava poder reduzir as suas emissões de CO2 graças ao armazenamento de carbono, considerando que tais afirmações eram enganosas para o público, tal como expressões utilizadas nessa campanha tais como «combustível limpo», «CO2 limpo», etc, etc.

Este facto leva-nos assim a colocar a seguinte questão:
- Será que é preciso, tal como acontece com o branqueamento de capitais, penalizar os crimes de branqueamento verde ou ecológico por parte das multinacionais, empresas comerciais e governos?

Ou não será melhor mudar de rumo e lutar por um modelo económico justo e sustentável em vez do capitalismo predatório em que vivemos e que nos leva à catástrofe ecológica e humana.


(adaptação e tradução livre de um texto de Jade Lindgaard, publicada na edição nº 621 de 23 de Out. da revista Les Inrockuptibles)