24.5.07

Um Anti-Manual de Direito

Apareceu agora em francês um novo manual de direito, mais propriamente um Anti-Manual de Direito. A obra de autoria do advogado Emmanuel Pierrat segue na esteira de outros livros de género como o Anti-manual de Filosofia de Michel Onfray e do Anti-manual de Economia de Bernard Maris. Como é óbvio o livro diferencia-se claramente dos clássicos livros de Direito que estão na base dos cursos magistrais sobre a matéria e que são habitualmente recomendados nas universidades.

O livro de Pierrat está cheio de imagens, humor e sexo e incide sobre temas como a propriedade literária, a luta contra a censura, as reivindicações dos homossexuais, etc, dando da Justiça estatal uma imagem muito pouco complacente. A propósito dela fala-se por exemplo da arquitectura para impressionar, de toda a encenação processual, assim como da linguagem hermética que serve para melhor confundir: «A linguagem do Direito pertence à ordem do ritual, à teatralidade da justiça, tal como acontece com os trajes, os costumes e a disposição das salas de audiência»

Os profissionais da justiça não escapam às observações críticas do autor, e tanto os juízes, magistrados e advogados não escapam às suas invectivas, concluindo: «Invejam-se uns aos outros . Assim são as profissões do Direito».

Também não se coíbe de sugerir um remédio para a lentidão da justiça? «No fim do ano judicial, quando os magistrados tiverem que prestar contas à hierarquia sobre o número de processos já resolvidos,há que proceder a um verdadeiro abatimento dos litígios». Denuncia ainda a chamada «inflação legislativa» mostrando como as leis se sobrepõem uma às outras sem que os artigos obsoletos sejam eliminados: « Não toquem em nada, ou melhor, empilhem-se as leis, pois uma velha lei empoeirada sempre pode servir a qualquer momento».

O nosso autor mostra-se inquieto quanto às novas formas de censura, sob a máscara e por via dos grupos de pressão de carácter moralizador que têm normalmente um bom acolhimento junto dos tribunais. O advogadi deplora que o direito não seja utilizado para agitar as águas da sociedade, mas bem pelo contrário como mais um meio para travar as mudanças sociais.

Analisa-se ainda a verdadeira obsessão pelo sexo que hoje se regista nos assuntos judiciários, sempre segundo a óptica dos bons costumes, mas que acaba por se mostrar incoerente no modelo do código napoleónico seguido até hoje: «A lei não encara da mesma maneira as várias maneira da libido se expressar. As minorias sexuais e os «desviantes» não são iguais face à lei. Esta prefere os zoófilos aos pedófilos, os necrófilos aos violadores, os exibicionistas aos proxenetas…»

O livro está longe de constituir, na realiadade, um tradicional manual de direito. Nem era essa, assumidamente, a sua intenção. E muito menos era o de fazer uma teorização crítica do sistema jurídico moderno dos Estados-Nações. Mas não deixa imune as contradições e os impasses da justiça tal como hoje se pratica nos chamados Estados de Direito, e tudo isso com uma boa dose de humor e de iconoclastia visual.

ANTIMANUEL DE DROIT d'Emmanuel Pierrat. Ed. Bréal, 408 pages, 23 €.

Algumas referências teóricas da extrema-direita

Sem sermos exaustivos, nem pretendermos caracterizar socialmente os seus efectivos interesses sociais, nem ainda descermos ao detalhe a fim de diferenciar as várias fontes históricas em que a chamada extrema-direita vai beber para auto-justificar a sua acção, deixamos aqui de forma despretensiosa algumas das referências teóricas da extrema-direita para se conhecer melhor o nosso inimigo.


Origem


As origens históricas da extrema-direita remontam à Reacção contra a Revolução Francesa, ou seja, contra os princípios revolucionários da «Igualdade, Liberdade, Fraternidade», bem como contra o princípio humanista que todos nascem iguais. Por isso também o carácter anti-democrático e anti-sufragista do pensamento ultra-conservador da extrema-direita e a desconfiança, senão mesmo a animosidade, face aos princípios republicanos. O regime plebiscitário é frequentemente sugerido como o dispositivo por excelência para legitimar o poder do Chefe ou do caudilho, que passa a ser o intérprete genuíno e indiscutível da Nação.

O nacionalismo

O Nacionalismo não tem nada a ver com o gostar do seu país. O nacionalismo é uma doutrina política que reivindica o primado da Nação enquanto sujeito político quer na vida política interna quer no âmbito das relações internacionais. A construção artificial da Nação, assim realizada, vida dar uma dimensão étnica e purista a essa entidade singular que passa a ser a Nação. Donde a persistente tendência para a preferência de nacionais como critério para tudo e mais alguma coisa. Ela parte da distinção entre o nacional e o estrangeiro, distinção essa que se legitima com a construção ideológica da entidade suprema que é a Nação.
Uma tal ideia contraria claramente o princípio universal segundo o qual todos os homens são iguais em direitos. O nacionalismo opõe-se ao cosmopolitismo e à concepção aberta que nos leva a viver em paz com os outros, e não contra eles.

A Ordem Moral

A ideia de que o ordem anterior é melhor, e que se torna imperioso restaurá-la, é outro dos traços marcantes da extrema-direita. Daí que a temática da decadência seja recorrente no seu pensamento desde há muito tempo. Trata-se de uma concepção moral retrógrada que investe contra a evolução dos costumes, contra o laicismo, contra a emancipação da mulher, etc. O futuro é sempre visto como portador de decadência, imoral e desprovido de valores. Um tal raciocínio permite colocá-lo como tema forte da propaganda da extrema-direita de forma a incutir nas pessoas a ideia do medo, e ao mesmo tempo reconduzi-las aos valores tradicionalistas. A verdade é que um simplismo destes não se compadece com a realidade vivida pois é opinião geral que se vive hoje melhor do que há décadas atrás.

Anti-semitismo

O anti-semitismo é uma forma de racismo direccionado contra os judeus. Manifesta-se por via de ataques verbais ou físicos contra os judeus ou contra aqueles que são vistos como tais, e o seu legado histórico-cultural. Trata-se de um tema tradicional e predilecto da extrema-direita. O anti-semitismo desenvolve-se como uma reacção contra a modernidade a partir do séc. XIX. O «judeu» é apontado como o financeiro, o especulador e o indivíduo urbano que corrompe os bons costumes do povo. O antisemitismo teve o seu apogeu nas leis antijudeus promulgadas na Alemanha nazi mas também no caso Dreyfus que estiveram na origem nas perseguições, deportações e massacres dos judeus. Negam a existência de câmaras de gás nos campos de concentração nazi e a Shoah.
No fundo, a figura do judeu – mas que poderia aplicar-se a outra qualquer categoria social, seleccionada como o alvo facilmente identificável – é encarada como a causa dos males do mundo, o que origina, por exemplo, a teoria do complot mundial dos sectores judaicos. Esta orientação têm permitido que se reúnam à volta da extrema-direita uma conjunto variado de correntes de pensamento, desde a tradição católica do anti-semitismo (os judeus são olhados como deicidas, que crucificaram Cristo), como os utra-conservadores que vêem nos judeus o estranho que se vai infiltrando nas instituições sociais. O antisemitismo permite «construir» um inimigo permanente, qualquer que seja o problema e qualquer que seja a época.