29.4.07

Os mileuristas - a geração encalhada nos recibos verdes, contratos a prazo e na precariedade


E isto o que é?
-É o principal quarto da casa!
*

CONTINUANDO AS COISAS COMO ESTÃO
NUNCA IRÁS TER UMA CASA NA PUTA DA VIDA


texto de Francisco Vaz Fernandes
retirado da revista gratuita Difmag

sobre o livro
«Mileuristas», de Espido Freire, ed. Ariel sem tradução
para português.


Estava, em Janeiro, no aeroporto de Barcelona, quando um livro me despertou a curiosidade. Intitulava-se «Los Mileuristas» e era escrito por Espido Freire. Trata-se do retrato de uma geração espanhola que considera ter a melhor formação, ou seja, que estudou em universidades mas vive numa situação precária de emprego e não consegue ultrapassar o rendimento de mil euros. É a geração que assumiu que não terá pensões, mas que tem que pagar para que os outros tenham. Assumiu que não terá um trabalho fixo mas trabalha para que alguém tenha. Uma rápida leitura permitiu-me verificar que esta obra é, por extenso, uma descrição de uma realidade da Europa Ocidental, especialmente a dos países do sul com crescimento tardio e recente. Com excepção de alguns casos particulares desta geração espanhola, esta é uma realidade que também nós vivemos em Portugal nos últimos quinze anos. Ou seja, também nós somos mileuristas.


Uma pequena investigação na internet e fiquei a par de que Espido Freire é uma reputada jovem escritora espanhola de origem galega que nasceu no País Basco. Com 25 anos conseguiu o Prémio Planeta, convertendo-se na mais jovem escritora a ganhar um dos prémios mais importantes de Espanha, lançando-a parauma carreira sólida, presa essencialmente à ficção. Por isso ficava a interrogação: por que é que uma escritora com uma carreira já sólida,com livros traduzidos em várias línguas, nomeadamente em português, resolve escrever um livro sobre uma geração encalhada? Acima de tudo porque se considera uma mileurista, vítima de uma parte da sociedade no poder (a dos seus pais) que os tornou eternos adolescentes, acomodados aos mimos que já têm, e sem qualquer consciência de grupo. Este livro não é uma apelo a qualquer revolução, longe disso, é mais uma consciencialização e autocrítica à sua/nossa própria geração, com o objectivo de provocar perspectivas de mudança. A própria
autora escreve na introdução do livro que a expressão mileuristas não foi propriamente inventada por ela, que a encontrou pela primeira vez em 2002 no jornal «El País» numa carta
aberta ao jornal escrita por uma rapariga chamadaCarolina Alguacil. Era uma carta extensa de uma jovem que expunha a sua vida, referindo que tentava fazer carreira na área da publicidade, mas que ganhava menos de mil euros por mês, que não podia deixar a casa dos
seus pais, e que se o fizesse teria que compartir apartamento com vários amigos. Tinha tirado uma licenciatura e um mestrado, falava idiomas, conhecia informática e tinha carta de condução. Tinha tudo o que a sociedade lhe tinha explicado como necessário para triunfar na vida. No entanto, nem sequer tinha estabilidade económica suficiente para pensar em ter uma família. Ela considerava-se uma mileurista e terminava com uma piada, escrevendo,
“tem sido divertido viver assim, porque
vivemos como eternos adolescentes, porque
usufruímos de muito tempo de lazer, porque
fomos mimados, protegidos e crescemos com
televisão e com mil comodidades. No entanto,
já cansa”.


A expressão mileuristas marcou tanto a escritora como uma geração inteira com os mesmos problemas, que difundiu largamente a carta através da net. No entanto, a resolução de escrever o livro não foi propriamente um acto compulsivo para Espido Freire, que só surgiu 4 anos depois por considerar que toda uma geração, que era a dela, estava cansada de ter a sensação de que se passaram vários anos depois desta carta e que nada tinha mudado ou estivesse em vias de mudar. Já uma palavra definia o fenómeno –mileuristas - e Espido Freire tinha um ponto de partida.
Apenas tinha que se identificar como mais uma dentro desta geração e auto analisar-se.Depois foi uma questão de alargar a análise empírica aos amigos, aos amigos dos amigos, aos colegas de trabalho, conhecidos de ocasião e estabelecer uma reflexão, um juízo de autocrítica e sobretudo descobrir os mitos e a sua veracidade. Foi assim que nasceu os «Mileuristas» de Espido Freire, um grande sucesso editorial, com uma repercussão enorme dentro da sociedade que faz com que hoje não possa responder aos milhares de emails que recebe e aos muitos convites para conferências sobre o tema. Para Espido Freire os mileuristas são uma geração entre os vinte e tal anos e os trinta e muitos. São pessoas que nasceram durante a democracia espanhola e que sempre tiveram oportunidade de escolha. É a geração das actividades extra escolares, os que tiveram oportunidade de ir ao karate, ao inglês e a catequese, mas também à informática.
Uma geração que viajou, que fez o inter-rail e que muitas vezes estudou com uma bolsa num
país estrangeiro. São consumistas, porque lhes ensinaram a ser. Eram filhos de pais jovensentre os anos 60 a 80, que viveram as transições políticas espanholas dos anos 80 e que a escritora denomina de geração babyboom. É a geração que serve, durante todo livro, de paralelo para a análise comportamental dos mileuristas.

Segundo a escritora, a geração do Babyboom são os babybuilders, provenientes de famílias numerosas, uma geração que lutou por muitos dos seus direitos nomeadamente o direito dos jovens, saltando rapidamente para o poder. Construíram oportunidades e usufruem de garantias do Estado, dadas em anos de grande utopias. Foi uma geração que conseguiu comprar uma segunda casa para passar férias e que ambicionou que os filhos tivessem
ainda uma vida melhor. Para eles ter um filho advogado, médico, engenheiro, arquitecto
era uma garantia de sobrevivência. Por isso não lhes pediram outra coisa senão que estudassem e fossem para a universidade. Nós, os mileuristas, herdámos em parte as ânsias desses pais e apenas quisemos estudar para garantir um emprego e uma casa. Conseguimo-lo
com o esforço dos nossos pais e o nosso. Mas quando chegámos à universidade rapidamente
nos demos conta que éramos já demasiados. A própria Espido Freire refere que, quando em
1992 se matriculou em Direito na Universidade Privada de Deusto em Bilbau, só no primeiro
ano do seu curso havia 1200 estudantes. Com tantos licenciados não havia empregos compatíveis para as suas aptidões. Em parte, isso explica os contratos precários um pouco por
toda a Europa e a sua versão portuguesa de recibos verdes, que é muito mais vergonhosa e
intolerante. Sem emprego, muitos de nós ainda optamos em apostar em mais formação, fi-
zemos mestrados e mesmo doutoramentos, alguns através de bolsas pagas pelo governo e ajudas da comunidade europeia. Contudo, não sabíamos que, dez anos mais tarde continuaríamos sendo bolseiros. Em geral, ninguém podia ter percebido que a sociedade tinha mudado e que tinha deixado para trás toda uma geração sem saber muito bem como nem quando.
E como vivemos nós os mileuristas? Num traço rápido, pegando nas próprias descrições
que Espido Freire faz no livro, vivemos como miúdos porque fomos educados como miúdos.
Continuam a ser tratados como miúdos e como tal não nos são dadas nem assumidas responsabilidades. Não fomos educados para poupar. Fomos, aliás, educados para gastar e para viver o momento. Fomos a primeira geração que viveu a invasão do consumismo norte-americano, a primeira geração que podia passar o seu aniversário com os amigos no McDonalds ou no chinês. Fomos a geração que teve uma mesada aos domingos, inclusivé dobrada quando tínhamos país divorciados. Portanto, não tínhamos muito dinheiro, mas tínhamos sempre algum para gastar. Vivemos a chegada da Zara e da Mango, que nos permitiu renovar constantemente o guarda roupa. Somos portanto uma geração sem trabalho assegurado (em geral pouco remunerado) e sem qualquer capacidade de poupar. Com vinte e tal anos continuam a viver em casa dos pais e sem planos para sair. Gostamos de sair á noite porque esta é uma das gratificações imediatas a que estamos habituados. Muitos de nós, filhos de famílias divorciadas, encontrávamos nas pândegas com os amigos todo o apoio que não tivemos em casa. Somos a geração que encolheu os ombros e disse - para quê? , porque efectivamente já tínhamos sentido repetidamente que os esforços não servem de nada, e para aqueles que nos poderiam valer não estávamos preparados.
Em geral, o dinheiro não nos interessa demasiado. O que nos interessa na verdade é o tempo livre, as férias, a chamada qualidade de vida. Espido Freire, a determinado momento do livro, prende-se com uma comparação com a geração X nos Estados Unidos, que foi a primeira a ponderar trabalhar em casa, a primeira a ponderar jornadas mais reduzidas de trabalho mesmo ganhando menos dinheiro.
Somos uma geração que viu tanta publicidade, tantas versões invertidas e revertidas do mundo, que curiosamente trocamos o branco pelo negro e não estranhamos. Por isso mesmo somos uma geração cínica. Uma geração de comboiadas que se ri um pouco de tudo, porque vivemos a sensação de que outra coisa não se pode fazer. Esta paródia, esse sentido de humor apenas tentam esconder geralmente um vazio interior. Um vazio por ter perdido todos os referentes: referentes da empresa, os referentes do trabalho, os referentes da família.




Um pequeno video de como vive, trabalha e pensa a nova geração de jovens que, apesar das suas habilitações académicas ( licenciatura, pós-graduações, mestrados, etc, etc) ganham menos de mil euros por mês

Boris Vian por Boris Vian


«Nem militares nem padres porque o meu sonho foi sempre morrer sem intermediários»

«Não quero ganhar a minha vida, já a tenho»


«O paradoxo do trabalho é que no fim de contas trabalhamos apenas para o suprimir»

«Porque é que as cantoras bonitas são sempre casas com o sax tenor da orquestra? E será por isso que toda a gente toca sax tenor?»

«As máquinas de moedas são de diversos tipos: a mais conhecida é a da virgem vestida de santa, na qual se recolhe um pequeno Jesus metendo uma moeda na fenda»



«Amo-te Paris
De um amor extremo
Mas nos campos Elísios
Não há urinóis púbicos
E uma pessoa sente-se martirizada»



Boris Vian era trompetista, boxeur ferreno, engenheiro metarlúgico, crítico de jazz, cardíaco precoce, inventor, cantor esgrouviado e cabriola, patafísico, autor de policiais enquanto Vernon Sullivan, perseguido, condenado por injúrias, afamado de mulherengo, mal-afamadi de pederasta e de cobra-cuspideira, escreveu livros bons para a puberdade, foi sniper-provocador e pai do non-sense mais abastardado, provavelmente guru dos Monty Pynton e autor de obras como As Formigas, Morte aos Feios ou A Espuma dos Dias.

No livro Boris Vian por Boris Vian, uma colectânea de greatest-hits, tudo entra ao barulho e tocam-se toda a espécie de temas: as mulheres, deus, a arte, o jazz, p boxe, a imprensa, a crítica.

Se gosta de aforismo da Agustina Bessa-Luís não pegue neste livro.

Boris Vian era tudo isto. Quase sempre. E quase nunca. Em algazarra total. Boris Vian era Boris Vian.


Boris Vian por Boris Vian é uma recolha de excertos retirados da sua multifacetada obra com a tradução de Sarah Adamopoulos e editado em 2006 pela Fenda.

O preço do editor é de 12 euros e o preço vadio ( isto é, na Livraria Gato Vadio) é de 10 euros.


http://pt.wikipedia.org/wiki/Boris_Vian




Breve biografia

Boris Vian nasceu em Ville d'Avray, em 1920. Aos 8 anos, lia Corneille, Racine, Molière e Maupassant. Aos 12, sofreu de complicações cardíacas. Era um boémio: festas-surpresa, altas-velocidades e trocadilhos em rima eram os passatempos. Interessou-se por jazz e em 1937 entrou no Hot Club de França (tocava trompete).


Engenheiro mecânicoEstudou engenharia mecânica. Em 1942 começou a trabalhar na fábrica AFNOR. Entrou em conflito com a administração por estar sempre a corrigir erros ortográficos dos superiores. Publicou os primeiros escritos sob os pseudónimos Bison Ravi e Hugo Hachebuisson em 1944-45. Escreveu "Vercoquin et le plancton" (publicado em 1947) para onde transfere o clima de absurdo organizacional da fábrica. Foi despedido em 1946. O livro fê-lo conhecer Raymond Queneau, escritor, na altura editor da Gallimard. Começou a trabalhar na Office du Papier.


Escritor apaixonado por jazzEscreveu em três meses "A Espuma dos dias", com que concorreu ao prémio da Pléiade, que não recebeu, apesar dos apoios de Queneau, Beauvoir e Sartre, com quem convivia. Escreveu em 1946 "Chronique du menteur" em vários números do "Temps Modernes". Publicou também "J'irai cracher sur vos tombes" sob pseudónimo de Vernon Sullivan, um "best-seller" censurado em 1949. Trabalhou na orquestra de jazz de Claude Abadie. Foi também trompetista e animador no bar "Le Tabou" em Saint-Germain, onde se reuniam artistas. Escreveu "L'Equarrissage pour tous", que adaptou para teatro: um fracasso. Em 1948 conheceu Duke Ellington, de visita a Paris. As edições Toutain publicaram "A erva vermelha" (1950), recusado pela Gallimard.


"Matador"...Foi nomeado "matador de primeira classe" no Colégio dos Patafísicos. A Patafísica é a ciência das soluções imaginárias: a missão era "explorar os campos negligenciados pela física e metafísica". O grupo tinha um pai espiritual (Alfred Jarry, escritor, morreu em 1907) e reunia o barão Mollé (amigo de Jarry e de Apollinaire), Michel Leiris, Ionesco, Henri Robillot, Pascal Pic, Jacques Prévert.


...e "déspota"Dias antes de morrer, deu uma festa na "varanda dos três déspotas" - Vian, Prévert e Ergé - em honra do barão Mollé, recém-eleito curador dos Patafísicos. Foi a mais bela reunião, o apogeu do grupo, com Henri Salvador, Noël Arnaud, Pierre Kast ou René Clair. O "déspota" Latis pronunciou o elogio fúnebre de Vian, que sofria já de complicações cardíacas. "Morrerei antes dos 40", disse. Os médicos obrigaram-no a deixar o trompete. Morreu de ataque cardíaco, em 1959. Tinha 39 anos