4.3.07

VI Encontro Internacional de Poetas (Coimbra 24 a 27 de Maio)


"I am large. I contain multitudes."
Walt Whitman

VI Encontro Internacional de Poetas


"Poesia e Violência"


Coimbra, 24-27 Maio 2007 (FLUC/CES)


O VI Encontro Internacional de Poetas conta já com a presença confirmada do/as seguintes poetas:


Alemanha- Zehra Çirak (http://www.juergen-walter.com)


Angola- Chó do Guri


Brasil- Claudia Roquette-Pinto- Márcio-André (http://www.confrariadovento.com)


Cabo Verde- José Luís Tavares




Chile/Holanda- Myriam Dias-Diocaretz


China - Xiao Kaiyu


Cuba- Pedro Marqués de Armas


Espanha - Alexandre Nerium - Helena Villar- Jesús Munárriz- Miro Villar - Ramiro Fonte - Xesús Rábade Paredes


EUA- C. D. Wright - Forrest Gander- Joan Retallack - John Taggard- Stephen Rodefer



Holanda- Arjen Duinker


Irlanda- Eiléan ní Chuilleanóin - Macdara Woods


Israel- Yitzhak Laor



Palestina- Faiha Abdulhadi- Mourid Barghouti


Perú- Ch’aska Anqa Ninawaman- Roxana Crisólogo (http://www.roxanacrisologo.com)


Portugal- Alberto Pimenta- António Jacinto Pascoal- Feliciano de Mira- Gastão Cruz- João Rasteiro- Regina Guimarães- Sandra Guerreiro


Reino Unido- Jonathan Morley- Maggie O’Sullivan (http://www.maggieosullivan.co.uk)


S. Tomé e Príncipe- Conceição Lima


A informação dos presentes estará em permanente actualização e a Organização apresentará em breve a lista completa dos poetas convidados e também o programa do evento. A Comissão Organizadora.



Mais info:




Os Urban Center e a gestão informada e participada da cidade

SEMINÁRIO

Os Urban Center e a gestão informada e participada da cidade.

GIOVANNI ALLEGRETTI, arquitecto(CES e Università degli Studi di Firenze).

INTRODUÇÃOJosé António O. Bandeirinha, arquitecto(CEARQ e Departamento de Arquitectura da FCTUC)7

de Março de 2007, 18:00h.

Local: Departamento de Arquitectura da FCTUC, Sala T2, Colégio das Artes, Largo de D. Dinis


Organização: CEARQ, CES (Núcelo de estudos de Democracia, Cidadania Multicultural e Participação)

Apoio: ProUrbe, Associação Cívica de Coimbra


http://www.darq.uc.pt/estudos/inicio.html

Para Além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes

Conferência na Faculdade de Economia de Coimbra em
6 de Março de 2007, 15:00h,
Sala Keynes - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Entrada livre - Inscrição

Programa

15h00 - Abertura

15h10
"Para Além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes"Boaventura de Sousa Santos (CES/FEUC)

16h00 – 16h30
Para Além do Pensamento Abissal: comentários a partir das Ciências Sociais e Humanas António Sousa Ribeiro (CES/FLUC) Margarida Calafate Ribeiro (CES) Paula Meneses (CES)

16h30 - 17h – Intervalo

17h – 17h45
Para Além do Pensamento Abissal: comentários a partir do Direito Joaquín Herrera Flores (Universidad Pablo Olavide, Sevilha, Espanha) Conceição Gomes (CES) João Pedroso (CES/FEUC) Cecília MacDowell dos Santos (CES/University of San Francisco)

17h45 - 19h - Debate

Moderação da Conferência: António Sousa Ribeiro (CES/FLUC)

Com o apoio dos Núcleos do CES "Estudos do Estado, do Direito e da Administração", "Estudos de Democracia, Cidadania Multicultural e Participação", e "Estudos Culturais Comparados".


Resumo:

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Baseia-se em linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo "deste lado da linha" e o universo "do outro lado da linha". A divisão é tal que "o outro lado da linha" desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. Deste modo, a característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade de uma co-presença dos dois lados da linha. O "outro" lado da linha abissal é um universo que se estende para além da legalidade e ilegalidade, para além da verdade e da falsidade (crenças ininteligíveis, idolatria, magia). Juntas, estas formas de negação radical produzem uma ausência radical, a ausência de humanidade, a sub-humanidade moderna. Assim, a exclusão torna-se simultaneamente radical e inexistente, uma vez que seres sub-humanos não são considerados sequer candidatos à inclusão social [1]. A humanidade moderna não se concebe sem uma sub-humanidade moderna [2]. A negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na medida em que constitui a condição para a outra parte da humanidade se afirmar enquanto universal[3) .

O meu argumento nesta comunicação é que esta realidade é tão verdadeira hoje como o era no período colonial. O pensamento moderno ocidental continua a operar mediante linhas abissais que dividem o mundo humano do sub-humano, de tal forma que princípios de humanidade não são postos em causa por práticas desumanas. As colónias representam um modelo de exclusão radical que permanece actualmente no pensamento e práticas modernas ocidentais tal como acontecia no ciclo colonial. Hoje, como então, a criação e ao mesmo tempo a negação do outro lado da linha fazem parte integrante de princípios e práticas hegemónicos. Hoje, como então, a impossibilidade de uma co-presença entre os dois lados da linha continua a ser absoluta. Hoje, como então, a civilidade legal e política deste lado da linha baseia-se na existência da mais absoluta incivilidade do outro lado da linha. Actualmente, Guantánamo representa uma das manifestações mais grotescas do pensamento legal abissal, da criação de um outro lado da linha enquanto um não-território em termos legais e políticos, um espaço impensável para o primado da lei, dos direitos humanos e da democracia. Porém, seria um erro considerá-lo uma excepção. Há muito Guantánamos, desde o Iraque à Palestina e a Darfur. Mais do que isso, existem milhões de Guantánamos nas discriminaçãoes sexuais e raciais quer na esfera pública, quer na privada, nas zonas selvagens das mega-cidades, nos guetos, nas sweatshops, nas prisões, nas novas formas de escravatura, no tráfico ilegal de órgãos humanos, no trabalho infantil, e na prostituição.

O primeiro ponto do meu argumento é que a tensão entre regulação e emancipação continua a coexistir com a tensão entre apropriação e violência, ao ponto de a universalidade da primeira tensão não ser questionada pela existência da segunda. Em segundo lugar, argumento que as linhas abissais continuam a estruturar o conhecimento e a legalidade modernos. Por fim, o meu terceiro ponto é de que estas duas linhas abissais são partes constitutivas das próprias relações e interacções políticas e culturais de origem ocidental no sistema mundial moderno. Resumindo, a cartografia metafórica das linhas globais sobreviveu à cartografia literal das linhas de amizade que separavam o Velho do Novo Mundo. A injustiça social global está, desta forma, intimamente ligada a uma injustiça cognitiva global. Por isso, a luta pela justiça social global tem de ser também uma luta pela justiça cognitiva global. Para conseguir ter sucesso, esta luta necessita de um novo pensamento: um pensamento pós-abissal.

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[1] Na verdade, a suposta exterioridade do outro lado da linha é consequência da sua dupla pertença ao pensamento abissal: enquanto fundador e ao mesmo tempo enquanto negação desse fundamento.
[2] Fanon denunciou esta negação de humanidade com uma lucidez inexcedível. O extremismo dessa negação constitui o fundamento que leva Fanon a defender a violência como uma dimensão intrínseca à revolta anti-colonial. O contraste entre o pensamento de Fanon e de Gandhi a este respeito, ainda que partilhando a mesma luta, deve ser objecto de uma reflexão cuidadosa, particularmente porque foram dois pensadores-activistas muito importantes do último século.
[3] Esta negação fundadora permite, por um lado, que tudo o que é possível se torne uma possibilidade de tudo, e por outro, que a criatividade celebratória do pensamento abissal trivialize tão facilmente o preço da sua própria destruição.



http://www.ces.uc.pt/misc/papa.php

As desigualdades sociais e a desvalorização dos diplomas


Texto retirado de Jornal universitário de Coimbra A Cabra (06/02/2007)

Autor:
Elísio Estanque
estanque@fe.uc.pt

A actual convulsão do mercado de trabalho e a crescente precariedade no emprego, induzidas pela globalização da economia, recolocaram de novo as desigualdades sociais no centro das preocupações. E a desvalorização dos títulos académicos, no quadro das mudanças em curso no ensino superior, insere-se nesse processo.
Durante o século passado, e sobretudo desde o pós-Guerra, o desenvolvimento tecnológico e a modernização do sistema produtivo elegeram as qualificações – e portanto os diplomas escolares – como critério decisivo de recrutamento de funcionários e técnicos nas mais diversas áreas da administração e do mercado de trabalho, fazendo assim engrossar a nova "classe média" ou os, também designados, empregados de "colarinho branco". O alargamento do ensino público e a crescente democratização do acesso à universidade, em particular devido à acção do Estado providência nas sociedades democráticas mais avançadas, instituíram o ensino superior como uma plataforma fundamental de mobilidade social ascendente.
Em Portugal este processo ocorreu, como se sabe, num período bem mais recente do que noutros países, e ainda assim permeado por múltiplas contradições e insuficiências. Durante muito tempo o acesso a um diploma universitário permitiu, no nosso país, aceder com relativa facilidade a um emprego qualificado, com o correspondente estatuto social, e, além disso, o próprio diploma "universitário" constituía em si mesmo um importante símbolo de status. Isto, enquanto o acesso à universidade era exclusivo das elites.
A formação escolar, lado a lado com a situação socioprofissional e o nível de rendimento, constituem os três critérios basilares de definição do "estrato" ou "classe social" a que se pertence. Mas é preciso notar, por um lado, que as condições "de partida" (ou seja, a classe de origem) são muitas vezes determinantes da posição que se consegue alcançar, quer no nível educacional quer em todos os outros indicadores de status, desde logo porque a própria família, as suas posses e por vezes até o nome, é em si mesma um elemento importante na definição do prestígio e das oportunidades de cada um. Por outro lado, a importância de um dado recurso – por exemplo o diploma de "licenciatura" – é tanto maior quanto mais ele for escasso, e portanto, vai-se desvalorizando à medida que se massifica. É nesse sentido que se pode dizer que as desigualdades sociais não se fundam apenas em diferenças gradualistas, mas sim numa lógica de classe que perpetua os privilégios de umas à custa da exclusão ou exploração de outras.
Num cenário como o actual, em que o grau de licenciatura está a tornar-se acessível a uma parte significativa dos jovens portugueses (embora apenas a uma minoria dos filhos da classe baixa), o acesso aos diplomas académicos mais elevados e exigentes obedece à mesma lógica selectiva. O grau de licenciatura vem perdendo valor distintivo à medida que o título de "Dr" se banaliza. Quer isto dizer que a disputa em torno dos títulos escolares é expressão das contradições estruturais e dos conflitos de classe que continuam em vigor na nossa sociedade. Mesmo quando estes se esbatem no plano político continuam muito vivos no plano simbólico. Assim, a tendência será para que as famílias das elites pressionem no sentido de criar condições para que os seus filhos alcancem graus de mestrado e doutoramento e frequentem as escolas mais exigentes (e mais caras). Não se trata aqui de uma estratégia intencional, mas de um processo social que objectivamente cria novas e sucessivas barreiras, de modo a que atravessá-las seja sempre mais difícil. Desde logo, porque subir mais um patamar no ensino superior exige uma despesa incomportável para as classes baixas – além de ser impossível por razões económicas, em geral não chega sequer a ser percepcionado como necessidade – e, depois, porque os critérios de selecção para os bons empregos obedecem aos mesmos valores das próprias elites e tendem, portanto, a fazer prevalecer a defesa dos seus interesses específicos.
Como afirmou recentemente o conhecido sociólogo Ralf Dahrendorf, mesmo aqueles (poucos) que chegam às elites pelo seu talento fecham as portas atrás de si logo que tenham alcançado o seu status. "os que lá chegaram por ‘mérito’ passam a querer ter tudo o resto – não apenas poder e dinheiro, mas também a oportunidade de decidir quem entra e quem fica de fora". Assim, pode dizer-se que a retórica da "meritocracia" não passa, regra geral, disso mesmo, nomeadamente no acesso ao emprego de um jovem recém formado. Em vez disso, parecem cada vez mais fortes as redes informais e o "capital social", o que remete directamente para a questão das influências que a família de origem possui. Muito embora a formação superior e o diploma avançado seja um requisito fundamental, ele exige como complemento decisivo, não apenas o mérito e o conhecimento, mas sim conhecer quem vai abrir a porta. Como dizem os ingleses «the important is not what you know, but who you know». E isto é também uma questão "de classe".

BLOGUE:
http://boasociedade.blogspot.com)

Apresentação do novo livro de A. Pedro Ribeiro - Saloon


A. Pedro Ribeiro lançou ontem o seu novo livro de poesia na Livraria Pulga , Saloon, editado pelas Edições Mortas.. A sessão contou com intervenções poéticas e experimentalistas do autor, do editor António Oliveira, e dos "diseurs" João Tiago e Luis Carvalho.

Vocalista da banda Mana Calorica & Las Tequillas participou em inúmeras performances, sessões de poesia e espectáculos teatrais e musicais em vários lugares, bares, tascos e saloons do país.

O livro tem nova apresentação marcada para o Púcaros Bar, também no Porto (à Alfândega) no dia 7, quarta, pelas 23,30 horas.


Saloon narra também a história dos bares e da noite na cidade, das mulheres que amamos e que passam por nós, do sexo que tarda a vir ou vem logo, da prostituição, das bailarinas, dos "barman", das personagens da noite, da antiga liberdade. Tem igualmente um lado místico/messiânico, retoma, em três ou quatro poemas, o dada/surrealismo da Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro mas não renega a revolta pura em textos como Porto 2001 ou A Arder.
O livro é vendido na «A Pulga, a minha querida livraria», para onde podem ser dirigidas quaiquer pedidos.

Morreu o escritor João Alfacinha da Silva, dito Alface

Retirado de:
http://frenesi-livros.blogspot.com/


«Sou um escritor, um desempregado de longa duração» ( Alface)


Reprodução de uma sua entrevista dada a maria joão Seixas e publicada em 2005 no jornal Público


Registado como João Alfacinha da Silva, no Alentejo que o viu nascer, foi mais tarde alcunhado por um colega de liceu, já na orla da capital, e transmutou-se em – Alface. Bem lhe deve ter sabido a nova e abonada graça, mantidos o verde e o vegetal dos radicais próprios, porque logo a adoptou. Até hoje.Assim passou a assinar tudo o que escreve e é a esse nome que responde, em trato íntimo ou mais formal. Pratica um humor desmanchado, sempre à margem das convenções do dia e guarda prudentes distâncias da crista das ondas locais. No que respeita à sua prosa ficcional pertence, de há alguns anos, à família dos autores publicados por uma editora especificamente singular – a Fenda; autor e editor espelham nesta relação o jogo, mais que operacional, da mão e da luva. Encaixam-se como poucos e é de crer que muito se divirtam pelo correr da aventura de dar forma publicável à obra, até que as páginas impressas surjam nas bancas e possam atingir o anónimo leitor (invariavelmente picado pelo chiste dos títulos), sujeito então a reagir com risos e risinhos, uma ou outra gargalhada, alguns sorrisos. O tom geral de cada livro é acidulado, por vezes desconfortável, já que o registo narrativo e a intenção que nele se pressente, vem ditado por uma lupa irónica, que observa o tempo e o lugar dos intervenientes na acção por ângulos onde a complacência não tem direitos adquiridos. Alface inventa para as suas personagens um "modus" de existir que só a moldura caricatural, onde as inscreve, consente adoçar. Mas, como se exige ao bom tempero de uma salada, são as gotas de limão ou o fio de vinagre que realçam o gosto dos verdes vegetais e assim conseguem entreter o nosso paladar. O seu último romance é digno da leitura de qualquer alfacinha, particularmente no mês de Junho, ainda para mais neste ano da graça do Senhor com eleições autárquicas. A percorrer as páginas lá se encontra (entre muitas outras idiossincrasias da cidade e do seu governo) o reconhecimento afectivo de um bairro, o som coreografado das marchas, o cheiro a sardinhas, a evocação do mais popular de todos os santos… O título não ilude: Cá Vai Lisboa. – M.J.S.

Maria João Seixas – Alface, diz-me quem és.
João Alfacinha da Silva – Hoje? Hoje, acho que sou o rapaz do trapézio voador, uma atracção do circo; sou um escritor, um desempregado de longa duração. Nasci no Alentejo, em Montemor-o-Novo, onde vivi a infância e parte da adolescência; vim para o Liceu de Oeiras, donde transitei, por desígnio familiar, para Direito; por ali andei três anos, mais pelo bar de Letras do que pelas aulas da minha faculdade, acumulando com o experimentar de Lisboa à noite, mais os copos e as brincadeiras adjacentes; depois desisti e ainda estive cerca de um ano numa outra bizarria chamada ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), onde à época abundavam católicos progressistas e seminaristas com grandes sapatos. Também não tive jeito para aquilo. Achei graça, a posteriori, ver que o meu calvário académico coincidia com o do general Eanes, que também andou em Direito e no ISPA. Entretanto, tive de começar a trabalhar, primeiro no jornal República e depois, por convite do Álvaro Guerra, fui escrever para televisão, para uns programas produzidos pelo João Martins – o Ensaio e o Impacto; a seguir a uma desavença com o produtor, o Guerra, o Zé Nascimento, os irmãos Matos Silva e eu rompemos com essa colaboração e decidimos criar uma nova cooperativa de cinema; ainda processámos o antigo patrão, mas o nosso advogado, que era o Marcelo Curto, com o rebentar do 25 de Abril andava mais virado para a revolução do que para o nosso processo e só com alguma ajuda do Galveias Rodrigues é que a Cinequipa conseguiu aguentar-se; entrei por essa altura para a antiga Emissora Nacional, onde conheci pessoas muito curiosas, o Herberto Helder e outras, de quem me tornei amigo. Fui continuando a escrever textos para rádio e televisão, até que me chateei com uma fase muito "militante" que atravessou a RTP durante um certo tempo e saí da Cinequipa; mantive-me durante 20 anos na rádio, já chamada Rádio Comercial, colaborando episodicamente em jornais e televisão. Casei e tenho duas filhas; a mais velha é pintora e designer gráfica e a outra é bailarina, a estudar de momento em Bruxelas; já sou avô. Quando saí da rádio, por volta de 92, fiz uma daquelas idiotias que muitos eram tentados a fazer – imaginei que poderia sobreviver como free-lancer.Ainda não referiste outra tentação, a da escrita ficcional, que nunca mais te abandonou e que já tinha feito surgir, pelas voltas do percurso que acabas de alinhar, alguns livros de tua autoria.Pois. Em 1977 publiquei, em parceria com Manuel da Silva Ramos (regressado de um exílio em França), o primeiro livro de uma trilogia de ficção, Os Lusíadas, editado pela Assírio & Alvim; o segundo, As Noites Brancas do Papa Negro, é de 82 e o terceiro, Beijinhos, saiu em 96 (um editado pela Regra do Jogo, outro pela Fenda). Esta trilogia, a que demos o nome genérico de «Tuga», era uma espécie de meditação ficcional sobre Portugal: Os Lusíadas correspondiam ao movimento de expulsão, à descoberta, à saída para o mundo; As Noites Brancas… referem-se ao estar lá fora, a um tempo de pousio e Beijinhos é o adeus, o rebarrigar outra vez, ditado pelo fim do Império, pelo acabar da aventura planetária, com o consequente regresso à fonte matricial de retornados e emigrantes. Escrevi ainda dois livros de contos, já sozinho. O primeiro – Cuidado com os Rapazes (que vai ser reeditado este ano) – motivou até uma história que se tornou famosa, com Pedro Santana Lopes, à época presidente do Sporting: a editora e eu decidimos fazer sair, para efeitos de marketing, um autocolante que dizia apenas – «Cuidado com os rapazes», e que foi enviado dentro de envelopes brancos, pelo correio, para uma série de nomes e moradas; era um teaser promocional, barato e simples, mas ele veio para a televisão dizer que andava a ser ameaçado e que ia entregar o caso à PJ para, através da análise de impressões digitais, tentar localizar os autores; mandei-lhe o livro e uma carta a explicar o que era aquilo e a história morreria por ali, não fora a glosa de alguns comentadores de serviço; enfim, a coisa não lhe correu lá muito bem. Escrevi ainda uma série de livros juvenis – Um Pai Porreiro Ganha Muito Dinheiro; Uma Mãe Porreira É Prá Vida Inteira; Filhos Assim Dão Cabo De Mim; Avó Não Pise o Cocó; A Prima Fica por Cima. Trata-se de uma história dividida em cinco livros, com as mesmas personagens, que veio depois a sair no Círculo de Leitores, num só volume, com o título Uma Família Sem Mestre. O segundo livro de contos chama-se O Fim das Bichas, e leva um subtítulo irónico – «O fim das bichas é o princípio das filas». Em 2004 saiu o meu primeiro romance a solo: Cá Vai Lisboa.


Para além da literatura, outras colaborações (umas mais episódicas do que outras) têm ocupado a tua vida, como atrás referiste – para a rádio, televisão e jornais. Consegues apontar como preferencial, para a escrita que praticas, algum destes três meios?
Talvez a escrita para televisão. Passei por uma experiência engraçada, que foi coordenar durante um ano um grupo de argumentistas de telenovelas, na NBP, para a TVI. Tenho pena que o género não seja mais bem feito, porque acho o formato muito engraçado, em termos de agilidade da escrita; é um sucedâneo do "roman feuilleton", dos folhetins, no fundo é uma linguagem televisiva, mas contemporânea, de coisas que vêm do tempo da Maria Cachucha. Também não tive muito jeito, ou paciência, para continuar por ali e, se calhar, o meu lado elitista entrou em colisão com aquela maneira de escrever, porque havia coisas que me custavam a engolir.

O teu lado elitista?!!
É o gostar de imaginar que a literatura, no seu melhor, é para pouca gente. Sou muito ligado à forma de escrever, prezo muito uma escrita com dinamite dentro, exigente de um ponto de vista formal. O que escrevo tem de me agradar a mim, seja romance, argumento ou diálogos de novela. Como a escrita é o que verdadeiramente me dá prazer e como em literatura não gosto, de facto, de muitas coisas, torna-se complicado aceitar um determinado número de soluções.

É território onde não fazes concessões?
Já fiz menos – os meus primeiros livros (escritos em parceria) eram mais radicais, ao nível de uma linha joyceana de trabalhar as palavras ao limite, quase na ordem da antileitura; depois, já a escrever a solo, os livros foram ficando mais "legíveis", digamos assim. Como não escrevo ficção por dinheiro (não está dito em lado nenhum que tenha de ganhar dinheiro com a literatura), esse é o meu espaço de liberdade, onde só faço aquilo que quero; ora a escrita de televisão, rádio e jornais, é necessariamente uma escrita de compromisso, para o grande público, em funil aberto, ao passo que a literatura pode funcionar para nichos de afinidades e sensibilidades electivas. Não tenho a presunção, seria incapaz, de assumir uma lógica de best-seller.

Segues as vendas dos teus livros?
A Fenda é uma casa pequena, marginal, que funciona ao arrepio de alguma lógica comercial, e nisso é uma editora quase suicidária. Publica obras que não cabe na cabeça de ninguém publicar. O Vasco Santos é um editor único – tanto publica coisas inacreditavelmente boas, que podem passar despercebidas, como não resiste a dizer que sim a um amigo que escreveu não sei quê e lá fica o armazém cheio de livros que não vendem; também não é de fazer o follow-up mediático dos livros, está fora dos sistemas de promoção. Esse lado quase clandestino da editora agrada-me muito. Talvez seja uma ideia discutível ou romântica, mas acho que a melhor literatura é uma coisa para pouca gente. Para a muita gente há muitos livros, muitos deles estimáveis, mas os verdadeiramente bons são para poucos. Será um tique classista, mas para mim alguns dos melhores prazeres são para raros, embora admita que a comoção a ver uma telenovela seja tão legítima como a de ver um filme do Kubrick. Não há mensurabilidade para a emoção ou para o sentido do prazer que as pessoas sentem; a mim ocorre-me, por exemplo, comover-me com coisas pífias – não digo que me comova desalmadamente com Música no Coração, mas já me aconteceu com filmes de fraca qualidade, uns livros menos bons, alguns momentos colectivos, comover-me absolutamente. Se calhar com coisas que não merecem.

E quem é que define o merecimento de que falas?
Que pretensão te assiste para dizeres "Comovi-me com isto, mas isto não merece a minha comoção"?Acho que nalgumas coisas tu consegues topar o truque de que são compostas; no cinema, por exemplo, é frequente isso acontecer ou, na escrita, onde também consegues dar-te conta das costuras de fabrico. Mas, independentemente das artimanhas, por vezes não deixas de ser tocado por um conjunto de emoções, digamos, primárias, pouco elaboradas ou imediatistas. A adesão que as pessoas têm ao futebol é dessa ordem – quando foi a festa do Benfica, o meu clube, não fui para a rua, mas estive até às quatro e tal da manhã a ver aquilo tudo na televisão. E chorei. Este tipo de sentimento é muito humano e mais do que legítimo; se cerebralizarmos as emoções deste género, elas não resistem, de tão simplistas que são. Mas… há um escritor polaco de quem gosto muito, Gombrowicz, que resume isto melhor: «Quanto mais inteligente, mais estúpido.» Ou seja, uma excessiva elaboração intelectual mata a humanidade que é desejável não deixar morrer em nós. Passa-se o mesmo com a culinária, não há prato hiper-elaborado da cozinha francesa, sustentado por um grande aparato teórico, que possa competir com o sabor refinadíssimo de uns secretos de porco preto salpicados com umas pedrinhas de sal. A simplicidade é de uma grande exigência e credora de um imenso saber. É a mãe da criação.


Começaste por falar no simplismo manhoso que reveste certas obras; dizes-te elitista, embora confesses emocionar-te por vezes com coisas de menor merecimento; afirmas que o melhor é para poucos e louvas a simplicidade, que só o melhor pode reflectir. Queres dizer tudo isto de outro modo, mais claro?
Digo que me perturba um bocado que algumas análises teóricas maculem o prazer que eu possa experimentar, por exemplo, a ler Melville, ou Emilio Salgari, ou outra coisa qualquer. Acho que há uma virgindade dos sentidos, sobretudo no campo artístico, a que dou grande valor. Das poucas coisas que justificam a existência, pelo menos a minha, é o ter alguma sensibilidade artística; não a tenho em todas as áreas, porque há matérias a que sou imune – se a escultura não me toca, já a arquitectura tem coisas que me deslumbram (lembro-me de ter ficado banzado com alguns edifícios tremendos de Hong Kong e hei-de ir ao Porto ver a Casa da Música); na pintura posso não reagir a muita coisa (sou um autodidacta, embora tenha ao lado a minha mulher, que é uma excelente pintora), mas comovo-me com o Turner e fico passado com o Kitaj, um americano que vive em Londres e que trabalha muito em relação com o cinema e com a sensualidade da sua experiência pessoal em prostíbulos catalães. Ou seja, as coisas demasiado complicadas, talvez por falta de informação, passam-me ao lado, como algum do cinema contemporâneo, mais rebuscado, mesmo a nível do argumento, que me deixa indiferente.

Já deste a entender que gostas cada vez mais de narrativas claras, com personagens bem definidas, a dar corpo consistente às histórias que habitam. Cumpres isso naquilo que fazes (passada a fase inicial do que escreveste em parceria com Silva Ramos)?
A escrita que hoje faço, individualmente, é uma escrita ligada a duas ou três paranóias que me são caras: a história (temos de agarrar as pessoas com uma boa história), que deve vir bem escrita, não se pode desleixar o aspecto formal (conheço muito boas histórias muito mal escritas); o sentido de humor, de que gosto particularmente em literatura (não sou pela anedota e pelo óbvio); a força da escrita, isto é, para mim a escrita tem de ser contundente, eficaz (a moleza das frases e personagens enjoa-me).


Se eu não tivesse lido o Cá Vai Lisboa, como é que me "venderias" a história, de forma a conquistares uma nova leitora?
Comecemos pela origem da história. Trabalhei, como já sabes, numa produtora de televisão com o Nicolau Breyner, e um dia disse-lhe que tinha uma ideia para uma sitcom que podia ter piada: um clube gay, em Alfama, resolve candidatar-se a representar o bairro nas Marchas dos Santos Populares. O Nicolau atirou-se ao ar: «Lá estás tu com as tuas maluqueiras, ninguém pega nisso.» Deixei passar, escrevi um bocadinho e depois, quando saí das telenovelas, enfiei-me durante três meses na casa que ainda tenho em Montemor e, até como processo de regeneração, escrevi aquilo de enfiada – levantava-me às 7 da manhã e só parava quando já não havia luz do dia. Foi muito duro, até porque era Inverno, a casa é grande, sem aquecimento central… Foi agreste, mas eu precisava daquele tratamento de choque. É possível que no livro se note alguma dessa violência, sempre presente no processo de recuperação do gosto pela escrita. Voltando à história – peguei numa situação hipotética, mas não tão distante da realidade quanto possa parecer: um presidente da câmara (personagem de ficção mas se calhar com alguns traços de anteriores presidentes da Câmara de Lisboa), que apoiava tudo o que era minorias e, no caso, um grande entusiasta da inserção num santuário do marialvismo lisboeta de um clube gay, patrocina a sua existência em Alfama; este clube tem na história uma função muito benemerente, entre outras actividades organiza aulas para meninas, meninos e adultos, o que faz com que, a pouco e pouco, as boas gentes do bairro o aceitem; a coisa começa a dar para o torto quando o autarca é posto perante a evidência daquele desejo de o clube ficar com a representação de Alfama no cortejo das Marchas (uma coisa é patrocinar a existência de um clube assim, outra é haver uma entorse à lógica das Marchas Populares) e tenta tudo para boicotar o projecto. Há muitos mortos neste livro, mesmo que não se dê tanto assim por eles; há também uma reconversão sexual de lésbicas e gays que deixam de o ser, embora alguns voltem a sê-lo no correr da história, o que é uma espécie de metamorfose um bocado pícara. O livro faz, no fundo, um retrato satírico, penso que imaginativo e bem-disposto, de tradições lisboetas ligadas à mitologia do "bom povo" bairrista: um concurso de lançamento de sardinha (em vez da malha), de sardinha, sim, mas da espanhola, que essa não terá outra serventia que não seja para tal finalidade; a existência de uma associação musical, a Associação 25 do Corrente, etc. Não existe nele uma verdadeira denúncia da corrupção autárquica, mas há um certo gozo em relação ao que, no fundo, é o poder discricionário de alguém que se crê um pequeno rei num pequeno microcosmos, no caso Lisboa e um bairro popular. O que é que o livro tem mais? Acho que alguma agilidade, que pode ser um bocado chocante, em considerar a comunidade gay. Tenho para mim que cada um faz com o seu corpo aquilo que lhe apetece, mas as pessoas gay talvez não achem muita graça ao livro, talvez pensem que o que lá está escrito é liberalidade a mais, é desrespeitar a justa luta dos gay pela dignificação do seu estatuto, essas tretas que são a homogeneização de comportamentos. Ignoro se passarei por homofóbico, acho que não o sou, só que achei graça à ideia de meter uma comunidade gay dentro de um sítio que não tem pontos de identificação com ela e que só pode aceitá-la até um certo limite, o limite do possível. Como a hipocrisia é o grande cimento nacional, o limite desse possível é o "desde que não incomode". Quando passa a incomodar, não há aceitação da diferença que resista.


O livro correu bem, em termos de crítica e vendas?
Acho que o livro correu bem, atendendo ao facto de ser uma pequena edição e à dificuldade da Fenda de gerir uma lógica comercial de promoção. Por um lado, tive reacções positivas de muitas pessoas, que o acharam divertido, refrescante, diferente do que por aí anda. As pessoas reagem bem ao descaro presente no livro, ao chamar os bois pelos nomes. A nível da comunicação social também saíram coisas simpáticas na imprensa, rádio e televisão, mas abro uma pequena ressalva em relação ao suplemento literário do jornal Público, que até agora não publicou uma linha sobre aquilo. Poderia especular sobre as razões da abstinência, presumindo alguma incomodidade em afrontar a temática e a escrita, politicamente incorrectas, mas não vale a pena, não me apetece fazer o exercício.


O que se escreveu e falou sobre o teu livro pegou no lado de possíveis semelhanças com personalidades reais, nomeadamente dirigentes autárquicos?
Sim, aqui e ali houve referências à possibilidade de se apontar ao executivo de Santana Lopes, o que não colhe, porque se trata realmente de personagens de ficção, com ganchos muito ténues de inspiração directa na vida da cidade. Não tenho qualquer pretensão regenerativa da classe política, para a qual me estou verdadeiramente nas tintas. Penso de resto que, com a mania, provinciana e muito portuguesa (sobretudo dos que se reclamam de cosmopolitismo!), de se achar que o que vem lá de fora é que é bom, não me repugnaria nada mandar vir um Delors, mesmo um Helmut Kohl, e até aproveitar o Scolari (e o Fernando Pinto, da TAP, como sugeriste) para integrarem os vários patamares do poder executivo que dirige o país, acumulando com funções que porventura exerçam no momento.

Que avaliação fazes da literatura portuguesa contemporânea?
Não muito satisfatória, devo confessar. Temos bons autores, bons poetas e bons romancistas, mas, no conjunto, não me parece uma literatura muito potente. Se pensares no que nos chega da América do Norte e do Reino Unido (e não é só uma questão de escala ou de língua dominante), temos mesmo de baixar a bolinha.

Eu não sinto que deva baixar qualquer bolinha em relação à poesia portuguesa! Nessa matéria, peço meças ao grande mundo com total tranquilidade.
Terás razão, o defeito é capaz de ser meu, leio pouco poesia. Dos mais antigos gosto dos trovadores, claro, de Camões, Bocage, Cesário, Nobre, Botto e, dos mais próximos, leio com gosto o Grabato Dias, o Herberto, o Sena, o Pimenta, o Nemésio, o O’Neill, algumas coisas do Armando Silva Carvalho, do Gusmão, do Franco Alexandre… Mas sou da prosa, a mim é a prosa que me enche as medidas. Acho graça a certas coisas da Agustina, mas não tenho saco para o Saramago, ou para o Lobo Antunes, por exemplo. Li recentemente dois belos livros – A Escola do Paraíso, do Rodrigues Miguéis, e Apenas uma Narrativa, do António Pedro, uma obra pequenina e notável. Carrego sempre a sensação de que ler um grande livro me impede de ler outros livros menores. Sabes o que me seduz na prosa? O que me comove e atrai é o compromisso (que lhe deve presidir) entre a ética, a forma e uma certa demência fundadora do universo da escrita. A prosa, mais do que a poesia, desafia Deus.


Se calhar, por seres um prosador, desconfias da dimensão de mistério, que é o que preside à criação do poeta.
Talvez.

Lês e escreves todos os dias?
Nem pensar, lavo os dentes, tomo banho, como e durmo todos os dias, mas só escrevo e leio quando estou para aí virado. A literatura não me é uma canga, tem de me apetecer, tem de me dar prazer e, no meu caso, preciso de tempo para repensar o que fazer a seguir, para ser surpreendido; tenho de duvidar muito de mim, pôr em causa a minha capacidade de escrever e, superando esses impasses, superar-me e atirar-me à bendita página branca; tenho de saber enfrentar o exercício de aprendizagem e coragem que a literatura exige. Abomino aquela técnica das reproduções à Warhol, essa espécie de comboio mecânico para servir a clientela e facturar sem descanso. De regresso à tua questão, não pertenço à família dos danados, dos obcecados com a escrita e a leitura. Nem me sinto obrigado a viver da ficção, esta escrita ficcional que pratico é a minha Gorongoza, uma reserva de vida selvagem e doméstica. É óbvio que aceito encomendas e gosto de corresponder, quando pedem que escreva para jornais ou para outra coisa qualquer – já fiz publicidade, já fui conselheiro sentimental com uma coluna própria, acho que só me falta escrever obituários. Há que fazer pela vida.


Dá-me uma palavra de eleição.
Ai! Creio que o "ai" (com exclamação, reticências ou a seco) é a palavra que melhor resume esta pátria e os filhos dela e, dando-lhe uns jeitinhos na entoação, aquela que nos pode levar mais longe. A todo o lado. E quem diz "ai", diz "ui", até porque os tempos vão de mais ais. Não?

[in Público, 26 de Junho, 2005; foto: exercício de cor por PCD sobre fotografia de Pedro Cunha (Público)]

Francisco Fanhais, cantor solidário

Francisco Fanhais nasceu em 1941, na Praia do Ribatejo. Com 10 anos entrou para o seminário de Santarém. Depois irá para os seminários de Almada e Olivais, onde termina o curso de Teologia. Em 1964 foi ordenado padre e em 1969, como professor de Moral começou a interessar-se sobre a realidade à sua volta. As aulas eram no Barreiro, terra onde ele conhece José Afonso que o incentivará a cantar contra o regime.
Participou no programa de Televisão "Zip-Zip" e gravou o seu primeiro disco intitulado "Cantilenas". Em 1970 gravou e editou o seu disco "Canções da Cidade Nova", com arranjos de Thilo Krassman. As músicas deste disco são de sua autoria e as letras de consagrados poetas, como Sophia de Mello Breyner, Manuel Alegre e António Aleixo.
"Cantata de Paz", com letra de Sophia e o famoso refrão "Vemos, Ouvimos e Lemos, Não Podemos Ignorar", torna-se um dos hinos de resistência ao regime derrubado em Abril de 74. Deste disco fazem ainda parte outros temas, tais como "Quadras do Poeta Aleixo", "Porque", "Canto do Ceifeiro"e "Canção da Cidade Nova". Esta última canção, com poema de Francisco Melro, é inspirada num tema bíblico. A música de Fanhais é uma música simples, mas eficaz, na senda dos "baladeiros", movimento a que ficaram associados muitos dos cantores que usavam a canção para denunciar as injustiças.
José Afonso escreve uma "Dedicatória"na contracapa do LP, que reza assim: "Tu que cantas, Defronte, De faces atentas, e Seguras, Faz do teu Canto, Uma funda, Nesse lugar, Entre outras mãos mais fortes, E mais duras, Te estenderei, A Minha mão fraterna. Canta Amigo". Este disco seria reeditado em CD, no ano de 1998 e o seu título seria alterado para "Dedicatória", com o manuscrito da dedicatória de José Afonso a servir de capa.
Em 1971 Fanhais parte para França, porque estava proibido de cantar, de exercer o sacerdócio e de leccionar nas escolas oficiais. Torna-se militante da LUAR e só regressa a Portugal após o 25 de Abril de 74.
Em 1975 colabora nas campanhas de dinamização cultural do MFA, juntamente com José Afonso e outros cantores e participa na gravação do disco "República", gravado ao vivo por José Afonso, na Itália, disco esse que é uma das maiores raridades no panorama discográfico português.
Em 1984 vai viver para Alvito, no Baixo Alentejo e dedica-se ao ensino de Educação Musical em escolas oficiais. Participa, como convidado, no disco "Ao Vivo no Coliseu" de José Afonso, onde faz coros na bonita canção "Natal dos Simples". Em 1993 regressa ao palco para, conjuntamente com Manuel e Pedro Barroso, apresentar o espectáculo "Encontro", efectuados em Portugal e em França.
No dia 10 de Junho de 1995 é agraciado com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Mário Soares. Continua a cantar, sempre que lhe pedem, em escolas e, sobretudo, em Festas do 25 de Abril ou em homenagens a José Afonso.
Quando lhe perguntam
pela vida responde que tem "dois filhos, dois discos, muitas árvores e muitos amigos