23.2.07

Viva o Poder Popular (letra e música de José Afonso)

No dia em que perfazem 20 anos da morte de José Afonso reproduzimos aqui três letras das suas canções mais interventivas. A primeira (Viva o Poder Popular) e a última (Foi na cidade do Sado) fazem parte do disco editado pela LUAR e destinaram-se a recordar a luta anti-capitalista de muitos portugueses nos anos quentes de 1974 e 1975, que custou a vida, por exemplo ao soldado Luís, alvo traiçoeiro dos aviões a mando dos golpistas do 11 de Março ( Spínola, CIA, etc).
O segundo tema ( O que faz falta) ficou no ouvido de muita gente e ainda hoje se pode ouvir em muitas manifestações.



Viva o poder popular


Não há velório nem morto
Nem círios para queimar
Quando isto der prò torto
Não te ponhas a cavar



Quando isto der prò torto
Lembra-te cá do colega
Não tenhas medo da morte
Que daqui ninguém arreda


Se a CAP é filha do facho
E o facho é filho da mãe
O MAP é filho do Portas
Do Barreto e mais alguém


Às aranhas anda o rico
Transformado em democrata
Às aranhas anda o pobre
Sem saber quem o maltrata



Às aranhas te vi hoje
Soldado, na casamata
Militares colonialistas
Entram já na tua casa


Vinho velho vinho novo
Tudo a terra pode dar
Dêem as pipas ao povo
Só ele as sabe guardar



Vem cá abaixo ó Aleixo
Vem partir o fundo ao tacho
Quanto mais lhe vejo o fundo
Mais pluralista o acho



Os barões da vida boa
Vão de manobra em manobra
Visitar as capelinhas
Vender pomada da cobra



A palavra socialismo
Como está hoje mudada
De colarinho a Texas
Sempre muito aperaltada



Sempre muito aperaltada
Fazendo o V da vitória
Para enganar o proleta
Hás-de vir comigo a glória



O Willy Brandt é macaco
O Giscard é macacão
O capital parte o coco
Só não ri a emigração



De caciques e de bufos
Mandei fazer um sacrário
Para por no travesseiro
Dum cura reaccionário



Não sei quem seja de acordo
Como vamos terminar
Vinho velho vinho novo
Viva o Poder Popular




O que faz falta

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta


O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta





Foi na Cidade do Sado

Foi na cidade do Sado
No pavilhão do Naval
Havia uma bronca armada
Pelas bestas do capital


Aos sete do mês de Março
Quinta-feira já se ouvia
Dizer a boca calada
Que o PPD era a CIA


Uma tarjeta laranja
Convite ao povo fazia:
Venham todos ao comício
Da Social Democracia

Eram talvez quatrocentos
Gritando a plenos pulmões:
Abaixo o capitalismo
Não queremos mais tubarões

Lá dentro sessenta manos
Do PPD exibiam
Matracas e armas de fogo
E o mais que os outros não viam

A um sinal combinado
Já quente a polícia vem
Arreia, polícia, arreia
Que o Totta-Acores paga bem

Amigo arrebenta a porta
Que te vão para matar
As bestas já fazem fogo
Lá fora tens de lutar

Os gases lacrimogénios
E os tiros que então partia
Mais os cordões da polícia
Os Pê Pê Dês protegiam



Cai morto João Manuel
De nascimento algarvio
Dezoito já eram feridos
Ficou o Naval vazio


Justiça pela noite fora
Pediu o povo na rua
Morte à polícia assassina
Amigo a vitória é tua



Aos onze do mesmo mês
Às onze horas do dia
Enquanto o João passava
Enquanto o João jazia


Do outro lado do rio
Morre o soldado Luís
Soldado filho do Povo
Vamos fazer um País


24 de Fevereiro na CasaViva ( no Porto) - conversa e filmes sobre o Terrorismo de Estado na Rússia e a guerra na Tchetchénia

O Terrorismo de Estado na Rússia. A Guerra na Tchetchénia -
conversa com Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim
no dia 24 de Fevereiro ( Sábado) a partir das 18 h.
na Casa Viva (à Praça do Marquês de Pombal, 167) na cidade do Porto


entrada livre

Há dois séculos que os tchetchenos são considerados terroristas, ora pelos czares do Império Russo, ora pelos dirigentes do Partido Comunista da URSS, ora pelos chefes da Federação Russa. Mas quem é terrorista nesta história?


Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim procuraram a resposta e registaram a pesquisa no livro “O Terrorismo de Estado na Rússia: a guerra na Tchetchénia nos descaminhos da indústria da violência” (ed. Achiamé, Rio de Janeiro), assinando pela Ação Literária pela Autodertimanação dos Povos.


O foco principal da publicação é o conflito dessa pequena república situada na região a norte das montanhas do Cáucaso que reclama a independência.

Por essa causa, Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim (Brasil) estão em Portugal.


Em Aljustrel, no Centro de Cultura Anarquista Gonçalves Correia, no dia 23 de Fevereiro (www.goncalvescorreia.blogspot.com),


e no Porto, na CasaViva (Pr. Marquês do Pombal,167), no sábado, 24 de Fevereiro, a partir das 18h00.
http://casa-viva.blogspot.com/

e em Lisboa na BOESG (R. das Janelas Verdes 13, 1º esq.), nos próximos dias 2 e 3 de Março

Sobre a causa, trazem o livro que publicaram, fruto de dois anos de trabalho, fotografias e DVDs.


Programa para o dia 24 de Fevereiro no Porto ( na Casa Viva)

18h00 – Projecção de “Prisioneiro das Montanhas”, de Serguei Bodrov 1996 (legendas em castelhano)
Em 1994, logo após a desintegração da URSS, a Rússia invade a Tchecténia. Dois soldados russos são presos e levados para uma vila tchetchena no meio das montanhas, onde convivem com os moradores. Adaptação contemporânea de um conto de Liev Tolstoi (115’).

20h00 – jantar vegetariano (para ser grátis, traz comida para partilhar)

21h30 – Conversa com Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim sobre O Terrorismo de Estado na Rússia e a guerra na Tchetchénia, num cenário de meia centena de fotografias.

23h30 – Projecção de “A Casa dos Loucos”, de Andrei Kontchalovski 2003 (legendas em inglês)Em 1995, durante as primeiras operações militares na guerra da Tchetchénia, um manicómio é abandonado pelos médicos e enfermeiros. Os pacientes – agora livres, em casa – passam a conviver com os rebeldes tchetchenos e o exército russo. (104’)



Antecipando a conversa fica um pequeno artigo introdutório ao tema...



Imperialismo russo e a guerra na Tchetchênia:os descaminhos da indústria da violência

Convidada pela Federação Internacional de Direitos Humanos para o IV Fórum Social Mundial, Lida Iussupova procura incansavelmente denunciar um dos mais graves genocídios contemporâneos: o extermínio generalizado e o terror militar causado pela guerra na Tchetchênia. Representante da ONG Memorial na cidade de Grozny, capital da Tchetchênia, Lida recebeu em abril de 1994 o prêmio Martin Ennals Award for Human Rights Defenders por sua luta em defesa dos direitos humanos.

Antes de retornar para Grozny, Lida (...) nos relatou as atuais condições de vida dos tchetchenos, a história das guerras, a resistência de seu povo contra a violenta ditadura do Estado soviético e, atualmente, contra os crimes de guerra das tropas militares russas.

Os povos das montanhas do Cáucaso Setentrional – tchetchenos, inguches, ossetas, kabardinos, balkaros, karatchai, tcherkesse e outros – sempre representaram entraves para as tentativas imperialistas euro-asiáticas: resistiram aos impérios tártaro-mongol, turco-otomano, russo e soviético. A geografia auxilia nas estratégias de resistência. A região montanhosa dificulta o acesso para as tropas dos invasores, enquanto as formas seculares de auto-subsistência das comunidades tradicionais colaboram para a sobrevivência.Pastores nômades e agricultores, estes povos organizavam-se através de conselhos das comunidades e foram vistos como bárbaros e “atrasados” não só pelo Império Russo que tentou dominá-los durante longa e sangrenta Guerra do Cáucaso (1817-1864), mas também pelos dirigentes da União Soviética que se opuseram à criação de uma República Autônoma dos Montanheses, logo após a revolução de 1917.

Com a desintegração da URSS, a Tchetchênia novamente proclama a independência. Mas o poder imperial somente trocou de nome porque, em 1994, as tropas russas invadem a Tchetchênia. Começa a guerra, que dura até hoje – vitimando mais de 300 000 pessoas e fazendo cerca de 500 000 refugiados.

Comunidades tradicionais na Tchetchênia

A estrutura social das comunidades tradicionais na região da Tchetchênia e do Cáucaso Setentrional é formada por teipes. As teipes podem ser compostas por diversas famílias e, além disso, aceitam outros agregados em sua composição social, provindos de outras regiões.

As teipes são constituídas por uma vila ou por um conjunto de vilas. Todas as questões cotidianas referentes aos seus habitantes são decididas nos conselhos, compostos pelos anciãos das teipes e, em alguns casos específicos, por outros representantes da comunidade. O Conselho dos conselhos legisla sobre questões que envolvem o coletivo das teipes. Forma-se, ainda, o Conselho Maior, congregando todos os povos das montanhas.

A estrutura horizontal, participativa e representativa dos povos das montanhas se contrapunha às tentativas de estabelecimento de um Estado ou outras formas de hierarquização institucional. No caso de guerra, escolhe-se um líder, a quem todos os habitantes juram lealdade militar. A terra, as águas e os bosques pertencem aos habitantes das vilas. As tarefas de subsistência são realizadas pela própria comunidade, baseadas essencialmente na plantação de batata, milho e trigo, além das atividades pastoris. Pelas torres de pedra, a segurança da comunidade se faz através de atenta observação do território.

O Estado na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS):militarização, repressão e russificação


Após a criação da URSS, o processo de russificação e militarização no continente foi abrupto e violento. Abrupto por interromper e subjugar povos e comunidades que, por séculos, desenvolviam suas diversas formas de auto-governos. Em poucos anos, esse exercício de autonomia social foi substituído pela heteronomia estatal soviética (tal processo não fora exclusividade das ações do PC Soviético: em outros continentes, a formação e o desenvolvimento do Estado-nação caracterizou-se, essencialmente, pela usurpação das habilidades de auto-governo de comunidades tradicionais). Violento porque tais comunidades, descentralizadas e espalhadas pelo planeta, experimentaram a força dos modernos mecanismos de repressão militar combinados com a força de persuasão dos modernos mecanismos de propaganda e marketing. A sobrevivência do modo de vida comunitário autônomo fora encurralado. Assim, para compreendermos os conflitos atuais na Rússia provenientes da desintegração da URSS – como a guerra na Tchetchênia – percebemos que o processo de russificação, militarização e repressão constituiu a base das violações dos direitos humanos cometidos na época do governo imperialista da URSS.

A dominação pelo Estado das atividades comunitárias essenciais ao auto-governo social, tradicionalmente exercidas pela própria comunidade e núcleos familiares, se materializou através do surgimento de especialistas: estes passaram a apontar a melhor maneira para administrar a sociedade, gerir a economia, educar, remediar pequenas enfermidades, fazer sexo, lavar roupas, praticar esportes, parir crianças e enterrar os mortos. Indicam também a música da moda, explicam os motivos das grandes guerras e das catástrofes humanas, enfim, retiram de nós próprios as habilidades humanas de agir e emitir opiniões sobre nossas vidas. Aos especialistas do Estado é repassada a incumbência de gestão social. E a especialização da gestão social, por sua vez, nada mais é do que a radicalização da divisão do trabalho, processo capitalista iniciado com a Revolução Industrial, na Inglaterra, e globalizado através das grandes empresas transnacionais, na atualidade.No caso do Estado soviético, a divisão do trabalho configurou-se na formação de uma classe social de gestores (dirigentes), empenhados em submeter a classe trabalhadora de camponeses e operários à nova ordem dita comunista.

A operacionalização e implementação social dos mecanismos de lealdade aos dirigentes foram criados logo a partir das primeiras medidas de Lenin, principalmente na concepção da vetchka (ВЧК – Comissão Excepcional Superior, futura KGB) – os administradores, policiais e funcionários do Partido cuidavam para que toda e qualquer deslealdade significasse ato contra-revolucionário.

No que se refere ao papel dos professores, estes já contavam inicialmente com amplo apoio do aparato estatal para universalizar o ensino obrigatório do idioma russo em todas as regiões da União Soviética. A nova ordem bolchevique procurava uniformizar, disciplinar e controlar a totalidade de centenas de povos que habitavam o extenso continente euro-asiático.Os conflitos decorrentes desse processo, acentuados pela morte de milhões de pessoas com as repressões stalinistas (como a deportação de tchetchenos ordenada em 1944), são a origem das recentes guerras travadas entre o governo russo e os povos de ex-repúblicas soviéticas em torno da questão da autonomia política.

Atuais condições sociais na Tchetchênia


A infra-estrutura urbana da Tchetchênia foi destruída com a guerra. O sistema de canalização, os elevadores e a calefação nos prédios praticamente não funcionam. A população procura comprar água trazida de outros lugares. A eletrificação é reconstruída lentamente, improvisada em perigosas ligações clandestinas. As condições sanitárias estão em colapso. Apenas as avenidas centrais recebem limpeza adequada, enquanto nos demais locais acumula-se toneladas de lixo. No mercado central, ao lado das montanhas de entulho e outros detritos, comercializa-se carnes, verduras e frutas. O desemprego leva a população ao trabalho informal. Sem qualquer documentação, os trabalhadores são coagidos a pagar propina para a administração dos mercados. Além disso, são frequentemente assaltados por grupos armados e uniformizados.

O negócio mais lucrativo é a extração e refinação de condensador, atividade perigosa e extremamente prejudicial à saúde, assim como a coleta de metais e outros materiais nas fábricas abandonadas. Os coletores frequentemente se explodem com minas. O sistema de saúde é caótico. Além do tratamento dos feridos e enfermos, as crianças precisam de sério acompanhamento para reabilitação psicológica, pois muitas vezes permanecem longo período escondidas nos porões, sem alimentação adequada. A falta de vagas para as crianças nas escolas é permanente. Não há condições adequadas para o ensino, nem instalações para os estudos, nem sequer materiais escolares.Dessa maneira, o resultado das recentes ações das tropas militares russas durante a guerra na Tchetchênia é a destruição da possibilidade de auto-governo comunitário naquela região, e o controle territorial da população na formação de guetos nas cidades, nas vilas rurais e nos campos de refugiados.

Refugiados

A situação de vida insustentável nas grandes cidades leva milhares de pessoas a fugir para as áreas rurais ou para os campos de refugiados, nas repúblicas vizinhas. Estas alternativas não amenizam os problemas, pois as vilas rurais são constantemente alvo das operações de limpamentos (bombardeios generalizados) pelas tropas russas, enquanto a precariedade e a instabilidade da vida nos campos de refugiados não possibilita qualquer esperança para os tchetchenos. Alguns arriscam um novo destino nos grandes centros urbanos da Rússia – como Moscou ou São Petersburgo – encontrando xenofobia, preconceito e repressão da polícia: são eternos suspeitos de terrorismo.

Política do medo cotidiano e a dinamização da indústria da violência

Mas a política de medo cotidiano não é novidade para a população russa, que já enfrentara outrora a paranóia do poder repressivo stalinista, as deportações e assassinatos em massa, a cultura de delatação de inocentes instaurada pelo PC soviético. A diferença é a mudança do alvo desta política de medo cotidiano. Se antes os agentes e espiões do livre mercado capitalista eram os inimigos, hoje as minorias étnicas parecem ser as responsáveis por toda a pobreza e falta de perspectiva na sociedade contemporânea russa: é necessário vigiá-las, julgá-las, caracterizá-las como potenciais suspeitos. Nesse sentido, a desigualdade social é camuflada pela diferença étnica.Implementada globalmente em nosso planeta após os atentados políticos em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a política de medo cotidiano tem dinamizado diversos segmentos econômicos ligados à indústria da violência. O fluxo de movimentação financeira proveniente da ampla cadeia produtiva desenvolvida através dessa indústria – produção de armamentos, serviços de “defesa” e segurança, soldados mercenários, financiamento de redes e atentados terroristas, diversificada produção cinematográfica e midiática, etc – representa o mais fundamental segmento da economia capitalista na atualidade.

As vantagens e promoções de produtos militares oferecidos pela Federação Russa atraem um amplo e diversificado leque de consumidores – desde o Brasil (negociações para a aquisição de caça-aviões Sukhoi), ou mesmo o governo venezuelano de Hugo Chavez, até o Estado de Israel. Dessa maneira, a guerra na Tchetchênia e suas implicações nas recentes formas de vigilância e controle da sociedade russa têm dinamizado os segmentos econômicos da indústria da violência naquele continente e, até mesmo, na América do Sul. E assim movimenta-se toda a cadeia produtiva da guerra.