15.8.06

As últimas notícias da utopia

«As utopias são como a linha do horizonte: eu dou um passo e ela afasta-se um passo; dou dois passos e ela afasta-se cinco ou mais passos; dou dez passos e ela afasta-se outros dez. Quanto mais caminhamos mais ela se afasta.
Então para que é que servem as utopias?
Para isso mesmo, para fazer-nos caminhar.»





Como será a sociedade do futuro? ...As últimas notícias da utopia!


Em Agosto de 2005 cerca de sessenta pessoas – militantes políticos, escritores, jornalistas , sindicalistas – receberam por correio electrónico um convite irresistível. Michael Albert, próximo de Noam Chomsky, e animador da rede Znet (1), propunha aos destinatários da sua mensagem, muitos deles colaboradores daquela rede, encontrarem-se em casa dele dez meses mais tarde, ou seja, em Junho de 2006, durante cinco dias. Objectivo? As discutir as formas que as sociedade do futuro poderá tomar.

A proposta tinha os seus perigos. Lançado com um ano de avanço, corria o risco de tropeçar com um uso de tempo demasiado sobrecarregado. O seminário seria mesmo organizado às portas do Verão num local agradável (Woods Hole, em Cape Cod, a uma centema de quilómetros de Bóston, na costa leste dos Estados Unidos), junto à praia e com possibilidade de excursões…Já mais a sério a reunião permitiria aos colaboradores da Znet, se bem que alguns deles pouco implicados nessa rede, de se conhecerem. E de reflectirem em conjunto, na companhia de Noam Chomsky, Barbara Ehrenreich, Arundhati Roy, Naomi Klein, etc, que também marcariam presença.

O convite comportava uma vantagem suplementar: a própria formulação do projecto. Com efeito, Michael Albert escrevia: «Imaginai cada sessão corresponderia a uma exposição sobre a visão do futuro, a estratégia, o programa – e não tanto s obre o que corre mal na actual sociedade, as opressões, etc – e que essa exposição esteja estruturada a partir de um texto distribuído previamente que seria comentado por uma pessoa, também escolhida de antemão, e tudo isso conduzisse a uma discussão colectiva.» Para os convidados, no seio dos quais se contavam os velhos frequentadores dos Fóruns Sociais e dos seus discursos estereotipados, repetidos sucessivamente de Porto Alegre a Atenas, tal seria uma forma de ultrapassar a litania dos sermões acusadores contra o ultraliberalismo e os seus sequazes.

Nesse ponto a promessa foi cumprida. É certo que nem Chomsky, nem Ehrenreich, nem Roy, nem Klein apareceram: os mais conhecidos são os mais anunciados, mas também os mais desistentes. E se em matéria de «programa» ou de «estratégia» as coisas não foram tão satisfatórias, a verdade é que, em contrapartida, não faltou capacidade de imaginação e de antecipação. Com uma meteorologia uniformemente má, refeições tomadas em grupo numa cantina de empresa, um programa cheio de exposições e de debates – ao longo das manhãs, tardes e noites – tudo isso fazia com que cada um escolhesse fixar a sua atenção sobre uma problemática, cuja actualidade não era particularmente grande, sobretudo nos Estados Unidos: na suposição de que o capitalismo não existisse («suponha que…» é uma das figuras retóricas preferidas por Michael Albert, que a ela recorre, de resto, mais do que uma quarenta vezes, no seu último livro, «Realizing Hope»), como se pareceria a sociedade ideal?

Michael Albert tem como se calcula uma pequena ideia sobre o assunto. Recorde-se que ele se insere na tradição libertária, no sentido mais amplo do termo (2). Elaborou até, mais do que Chomsky, um modelo alternativo de sociedade que rompia simultaneamente com o capitalismo ( a regulação pelos mercados é rejeitada) e com o socialismo ( que gere inevitavelmente uma vanguarda autoritária e uma classe de «coordenadores»).
Desenvolvida desde há una quinze anos, juntamente com Robin Hahnel, este projecto de «economia participativa» ( «participatory economics» ou Parecon em inglês, ou «participalismo» em francês) iria servir de referencial ao longo dos cinco dias do seminário. As obras de Michael Albert estão traduzidas em numerosos países, mas o seu impacto é demasiado modesto para que uma explicação, ainda que sucinta, do seu programa – da sua «utopia» -seja completamente supérflua (3).

Apesar de «igualitária», «solidária» e «autogerida», a economia participativa não se reclama da iguadade absolutta dos salários, e menos ainda da ideia, julgada irrealista, do «cada um segundo as suas necessidades». Ela adopta como critério de remuneração «o esforço e o sacrifício» na «produção de bens socialmente úteis». Quem trabalha mais, e mais duramente, em condições mais difíceis, receberá mais. Em contrapartida, quem, pelo único efeito do destino ou do nascimento, beneficiar de máquinas ou de tecnologias mais avançadas, ou de dons artísticos, físicos ou intelectuais, não será por isso melhor remunerado.Michael Albert é sensível, mais do que ninguém, à injustiça dos rendimentos imobiliários até porque o valor da casa que serve de quartel general às operações «participalistas» foi multiplicado por nove em catorze anos. Prova suficiente, ironiza ele, de que em regime capitalista «uma massa inerte pode trazer mais trabalho aos seus proprietários que uma vida de trabalho».

A economia participativa reprova a organização social que fixa tarefas de execução, de limpeza a uns, e reserva as missões de enquadramento, de criação a outros. Comabeta o modelo industrial baseado na especialização fordista. Se nos países capitalistas, tal como nos países «socialistas» (stakhanovismo), um tal modelo favorecer a produtividade, isso foi à custa de uma organização de trabalho alienante e «desgastante» (como é o caso da cadeia de montagem automóvel). Mas foi, segundo Albert, a consolidação de uma terceira «classe», os coordenadores», que teria entrado em contradição como o esquema marxista de uma sociedade que tinha como dialéctica principal a oposição entre os detentores do capital e os que vendem a sua força de trabalho.

Cauteloso em evitar a sobrevivência –ou o regresso, uma vez passada a euforia revolucionária – desses especialistas, quadros, tecnocratas, e do seu desdém social e do seu autoritarismo legitimado pela sua «competência», os participalistas propõem que em cada actividade profissional, o conjunto das tarefas sejam redefinidas de modo a misturar as tarefas de execução e de concepção. Essa Seia a única forma aceitável de distribuir os benefícios e os constrangimentos do trabalho social. Tal significaria que o patrão da General Electric encarregar-se-ia por vezes da limpeza do elevador, ou da recepção do correio, enquanto que a sua empregada de limpeza verificaria as contas? Não será bem assim, porque nem na General Electric nem em nenhuma outra parte, haveria «patrão» ou «empregada de limpeza», mas antes actores iguais com «conjuntos equilibrados de tarefas» ( balanced Job complexes) concebidos graças a negociações e discussões prévias.

Utopia prometaica à escala de um país gigantesco e de uma economia diversificada como a dos Estados Unidos, o projecto já encontrou, no domínio privado, a partilha de tarefas doméstica por (modesto) antegozo. E tal não é anedótico nem secundário pois tudo deve estar lgado:«O prgresso numa certa esfera deve ir concetado com o avanço numa outra esfera». Um participalismo que já rege, aliás, algumas das empresas cooperativas. As quais, pela sua própria existência, prefiguram a utopia autogestiono presente. «Incorporam as sementes dofuturo desconhecido nos nossos comportamentos imediatos».

A casa editorial «South End Press» que Michael Albert criou com outros em plenos anos 60 e a imensa efervescência progressista que ela gerou na sociedade norte-americana, inspirou-se em alguns daqueles princípios enunciados. A recusa de separação entre funções de execução e funções de direcção foi tal que South End Press ( quatro empregados) decidiu, pelo menos uma vez, excluir da cooperativa um dos seus membros que, por receio de tomar um dis uma decisão prejudicial ao colectivo, recusava ser responsável pelas escolhas editoriais. Reclamando querer manter-se num posto subalterno, ele confessava-se satisfeito em contribuir assim para um objectivo comum. A resposta que recebeu é que uma conduta desse género era inaceitável: a lei do participalismo era para se cumprir…

A situação inversa é mais fácil de imaginar: a do caso em que o editor ou um autor hesitam em abandonar os trabalhos de pesquisa e de escrita para reservar algumas horas do dia aos trabalhos domésticos, ao conserto de sapatos ou a descida a um poço ( a polivalência requerida deve abranger diversos sectores de actividade). Susan George apresentou uma objecção por via de uma interrogação «antropológica»: terá existido na história da humanidade uma sociedade sem classes, principalmente quando a definição das classes passa, para além da propriedade dos meios de produção, pela incorporação do saber dos «coordenadores»? Pouco convincente ( e convicta) da resposta, ela concluiu: «Desde que se sejamos altamente qualificados no que fazemos, devemo-nos poder consagrar inteiramente e a fundo nisso». Um veredicto contrário à utopia defendida por Michael Albert e partilhada pela maior parte dos presentes.

Mesmo supondo que o princípio-chave da economia participativa não seja posto em causa, a verdade é que as questões só agora começam. Quem estabelece a remuneração dos esforços e do sacrifício? Quem reorganiza o trabalho em torno dos conjuntos equilibrados de tarefas? Quem fixa o nível e o tipo de oferta ( da produção)? E como se irão prever as reacções da procura ( dos consumidores)? Resposta: o que o mercado ( desigualitário e fonte de injustiças) e os coordenadors centrais ( presumivelmente, autoritários) fariam seria realizado pela «planificação participativa». Mas o que é que isto vêm a ser? «Conselhos alargados e abrangentes» ( nested councils) descentralizados, compostos por actores sociais implicados que tenham uma palavra a dizer em função das consequências, que as opções a tomar, lhes possam afectar; e que todos tenham acesso a uma informação de qualidade, sejam devidamente formados, e tenham confiança nas suas competências e estejam motivados para as desenvolver, comunicar e exprimir as suas preferências.»

Um vasto programa - não há dúvida -, tanto mais que ele pressupõe certas condições prévias que dizem respeito quer ao saber partilhado, à consciência política, à motivação e à informação democrática. Não será muito surpreendente que uma tal visão de conjunto não deixe de suscitar algumas dúvidas, menosprezo até, e reiterados pedidos de aclarações. (4). Um dos objectivos do seminário organizado por Michael Albert era reforçar o ptencial do modelo através da indicação de exemplos que de um modo ou de outro pudessem evocar o género de estrutura autogerida atrás descrita.

Agora sobre a América do Sul, comecemos com a Argentina em que, há alguns anos atrás, foi submergida com a exclamação «que se vayan todos!» e um movimento de recuperação de 180 fábricas abandonadas pelos seus proprietários, assim como por cooperativas, trocas, sistemas de trocas locais (SEL), de autogestão, e assembleias de bairro. (5). Desconfiança em relação a todas as instituições ( a que não foi estranho a espectacular falência que atingiu a Argentina), recusa da delegação de poderes e da recuperação: o questionamento da propriedade dos meios de produção que então se registou não poderia deixar de encantar os anarquistas. Até parecia que, conforme ironizou um dos intervenientes do seminário, Marie Trigona, ela «nos iria conduzir à utopia, como no filme de René Char de 1931, A nous la liberte, quando a fábrica começou a funcionar por si mesma, enquanto os operários divertiam-se, pescavam, dormiam a sesta ou faziam um pique-nique».


Poesia cinematográfica aparte, essas estruturas autogeridas já constituíram uma «rede internacional de solidariedade que reúne 300 empresas recuperadas da Argentina, Venzuela, Brasil e uruguai».Em Novembro de 2005 realizaou-se em Caracas uma conferência destas unidades de produção e de outras na Europa ( estiveram então representadas 135 dessas empresas). Exemplo de entre-ajuda entre elas é o facto de um jornal argentino autogerido publicar gratuitamente os anúncios das agências de viagens venezuelanas; em troca, os trabalhadores desse jornal passaram férias no mar das Caraíbas. Trocas deste género são tanto mais valiosas quanto, por falta de infra-estruturas e de tecnologias adaptadas, a maior parte das cooperativas operárias, de dimensão modesta ( a mais importante na Argentina é uma fábrica de cerâmica de 470 assalariados) não suportariam o impacto do mercado capitalista. De resto, alguns dos fornecedores ou clientes habituais hesitam em trabalhar com empresas com um estatuto legal incerto.

E este não é mais do que um dos muitos problemas. Os outros são a família,o Estado, a «visão prospectiva». Relativamente à família, segundo Marie Trigona, «desde que os trabalhadores tomaran o controle do hotel Bauen, a cooperativa recrutou 85 pessoas. Quase todos eram filhos, filhas, mães, pais, irmãos e irmãs dos trabalhadores». Ou seja, o perigo de uma forma de nepotismo pesa sobre a nova utopia.
Depois há o Estado. As autoridades políticas argentinas nunca encorajaram a recuperação das fábricas abandonadas, se bem que não tivessem lançado as forças de ordem contra a maior parte das cooperativas.No total, o movimento sobrevive num vazio jurídico – com a ajuda funanceira, por vezes, do Estado – e não se alastra.Michael Albert, que se deslocou à Argentina, confessou a sua decepção sobre este ponto: os assalariados das empresas recuperadas não se dedicavam a propagar as suas conquistas às outras empresas. Apesar de se mostrarem orgulhosos da sua nova organização de trabalho, eles não conseguiam «ver que o que faziam era muito mais importante daquilo que produziam».
Ausência de consciência revolucionária, de visão prospectiva? Susan George avançou uma outra interpretação. Algo cansada das batalhas de aparelho em que a sua associação Attac está envolvida, ela recordou a objecção que Oscar Wilde (1854-1900) tinha apresentado ao socialismo na sua época: « Isso exige muitas reuniões». E acrescenta num murmúrio: « as pessoas cansam-se rapidamente, e não têm desejos de consagrar todo o seu tempo livre a assembeis intermináveis e a um trabalho de evngelização». O reparo visava indirectamente o participalismo e os seus conselhos de bairro e de empresa, cada qual com 25 a 50 membros, que deliberam muito para que todos os perticipantes possam estar a par do que está em causa nas questões que lhes digam respeito. E delegam num dos seus, revocável a todo o momento, para estar presente numa assembleia mandatada para arbitrar qualquer questão que ulrapasse a competência do grupo de base ( num período de gripe aviaria, por exemplo, uma pequena comunidade não poderia decidir sozinha sobre o que fazer das suas aves doentes). E assim continuamente…até ao sexto nível: um Parlamento para o conjunto de população mundial. O projecto pode parecer complicado, a jurisdição dis diversos conselhos é bastante delimitada.Mas não passa de um esquema e a sua execução não é para amanhã…
No caso da Argentina a incapacidade aparente das cooperativas em irradiar a sua prática de autogestão ao conjunto da sociedade explica-se também pela consciência dos riscos de repressão que os operários passavam a estar sujeitos caso a sua experiência se alastrasse. Esticar a corda poderia significar perder tudo, inclusive o seu pequeno paraíso. Ou seja, mais valia ter a seu favor as autoridades nacionais, do que estarem estas contra, não obstante pouco ou nada fazerem para apoiarem as experiências. Quanto aos patrões o modelo argentino era um pouco sui generis: os trabalhadores não se tinham defrontado com os seus empregadores , uma vez que estes os abandonaram.É difícil imaginar que a Ford, Total, Mittal abandonassem o seu património.

Quando se começa e enumerar as vantagens das cooperativas nos Estados Unidos ou na Argentina a primeira coisa que se nota é o impacto reduzido que tais estruturas têm no modo de produção dominante. O qual sabe perfeitamente adaptar-se à situação, tal como prova o que aconteceu com os media alternativos, as transgressões culturais, a gestão feminina de um departamento de Estado ou a presença de locutores negros na televisão. «São interessantes, mas completamente anedóticas», ouviu-se dizer uma voz na sala, quando se estava a expor uma outra experiência anti-autoritária.

Um interveniente argentino, Ezequiel Adamovsky, tinha participado no levantamento populat de Buenos Aires em Dezembro de 2001. Tinha verificado que «os movimentos que rejeitam todo o contacto com a política nacional são incapazes de estabelecer laços com a maioria da população. Porque o que nós propomos não era percepcionado como preferível ou realizável.As regras e as instituições que organizam a opressão são também as que organizam a vida social.». Por conseguinte, se é importante, segundo ele, saber responder à questão «o que é que nós propomos?», de repetir que a pobreza e o racismo existem, e que é preciso lutar, de que é possível a vitória contra o sistema, não é menos importante deixar de imaginar de que uma ordem espontânea vai surgir do caos. E saber precisar como e por quem as propostas vão ser apresentadas. Certamente que os partidos políticos procurarão colonizar os movimentos sociais e impor-lhes as suas regras de funcionamento hierárquico e autoritário…Mas isso não nos deve fazer esquecer que também existe frequentemente «a tirania da ausência de estruturas».

A mensagem que poderia ter passado por iconoclasta numa tal assembleia não suscitou praticamente nenhuma reacção. Provavelmente, porque depois de uma dezena de anos de retórica das soluções parciais, de comunidades em rede, do «mudar o mundo sem tomar o poder», tais fórmulas comecem a cansar (6). Demasiadas palavras, de «narcissismo anti-autoritário» ( nas palavras de um interveniente anarquista), de mediatização sem fim: demasiados efeitos face a um capitalismo talentoso na arte de recuperar o que o ameaça. (7)

Apercebemo-nos já deste cansaço – ou desta lucidez – em certos ecologistas europeus. Um dos animadores do movimento francês para o decrescimento, Vincent Cheynet, interpela alguns dos seus amigos: «Ainda que perturbadora, a mensagem da simplicidade voluntária (…) pode rapidamente converter-se numa legitimação do ultra-liberalismo. Os seus apóstolos indicam que isso é a prova de como o sistema deixa a cada um a liberdade de viver como quiser. Notemos, por exemplo, a importância da comunidade amish nos Estados Unidos: cerca de 250.000 pessoas vivem sem carro, sem tv, sem telemóvel. Apesar da sua existência, esta comunidade parece não ter contrariado a expansão do modelo consumista no país (…) A máscara do espírito libertário é utilizado, em contradição com o seu conteúdo histórico, para defender um ultraliberalismo puro e duro, e uma incapacidade profunda em pensar o colectivo. O ultraliberalismo gerou verdadeiras crianças soldados, não somente dentro das multinacionais, como no seio da sua própria contestção»(8)

Autores que giram em torno do movimento libertário formulam o mesmo tipo de impaciências.Ainda que dirigidas aos altermundialistas e aos seus Fóruns Sociais, a admoestações de Jean-Pierre Garnier poderiam também ser aplicadas a alguns anarquistas: «Não mais organizações hierárquicas e centralizadas, mas sim um “movimento de movimentos” estruturado em rede; não mais um quadro nacional previamente fixado para se constituir em força política, mas sim um activismo transnacional; não mais uma classe operária compacta e disciplinada, mas sim “cidadãos” com forte capital cultural, zelosos em preservar a sua autonomia e individualidade; não mais “uma grande noite”, “amanhãs que cantam”, mas sim “alternativas concretas” e “utopias realistas” (…) Esta “figura moderna” não é outra coisa que um neoreformismo que abre caminho à promoção de uma globalização que seja “democrática”, “justa”, “solidária” e “ecológica” (9)

A maior parte dos conferencistas de Woods Hole não eram reformistas nem – muito menos – adeptos do oximoro de uma globalização «democrática». Não obstante, certas consideraçõesde Jean-Pierre Garnier não deixavam de os interpelar, pelo menos em certos aspectos. Na verdade, colocavam-se problemas como se já estivessem resolvidos, ou como se a prefiguração de uma utopia «libertária» ( a cooperativa em Boston, o movimento indígena em Chiapas, um squat em Amsterdam) e o estabelecimento de «laços» (links) diversos ( Internet, Fóruns mundiais) entres estas ilhotas participativas pudessem dar lugar a alguma estratégia política. Como se as experiências locais que são enaltecidas não fossem tributárias de decisões nacionais e internacionais ( nível de vida, fiscalidade, acordos de livre-troca, moeda, guerras,..) que proíbem a construção das pequenas utopias «sem tomar o poder». Como se um internacionalismo legítimo pudesse esquecer que certos Estados-nações constituíram campos de luta, de solidariedade, e permitiram garantir conquistas operárias que a «globalização» se tem empenhado em quebrar em eliminar.Como se, na coligação imaginada dos explorados, das vítimas, a subtracção não levasse a melhor à adição, em especial, à medida que as regressões religiosas e os fechamentos identitários ganhassem um ascendente sobre as solidariedades económicas.

Implicados numa infinidade de combates muito actuais e muito concretos – sindicalismo britânico, pacifismo americanos, altermundialismo europeu, software livre, solidariedades com a Venezuela, direito das mulhees no Afeganistão, etc – os presentes no Seminário, organizado põr Michael Albert avalaliaram as dificuldade concretas. Naõ eram ingénuos nem fechados sobre si mesmos. Não ignoraram que mesmo depois do capitalismo, numa hipotética sociedade sem classes, numerosas questões ficarão sem resposta: o direito das crianças, a legalização da droga, a pornografia, a prostituição, a liberdade religiosa quando contrária à igualdade de género, a alocação de recursos médicos dispendiosos, o tratamento dos animais, a clonagem, a eutanásia (10)…

Como explicou o escritor do Quebéc, Normand Baillargeon, «a anarquia é a possibilidade de organizar uma sociedade muito complexa com um mínimo de autoridade». E o seu camarada sérvio Andrej Grubacic acrescentava: «A era das revoluções não terminou. O movimento revolucionário do século XXI não será socialista, mas anarquista». Grubacic declara-se inspirado pela economia participativa, «uma visão económica anarquista, por excelência», mas também pelas «municipalidades autónomas de Chiapas», e pela «procura de consensos característica dos quakers norte-americanos». Contudo, para ele, «os grandes recrutadores anarquistas em países como os Estados Unidos foram escritoras feministas como Starhawk e Ursula K.. LeGuin».

Há, no fundo, tantas anarquias quantos anarquistas.Alguns reclamam-se de socialistas pré-marxistas como Charles Fourier ou Robert Owen, que não es esqueceem que as marmitas do futuro aquecem-se sempre no fogo dos sonhos. Em 1949, um pensador de direita incitava os seus adeptos, evangelistas do mercado, a terem «coragem de serem utópicos», tal como os socialistas: « O que nos falta – escrevia von Hayek (1899-1992), teórico do liberalismo – é que uma utopia liberal não se limite àquilo que é politicamente possível hoje». Mudem o adjectivo e a frase continuará a apontar para a mesma direcção.

Texto de autoria de Serge Halimi, publicado na edição de Agosto de 2006 do Le Monde Diplomatique.

Notas:
(1)
www.zmag.org/ Trata-se de uma publicação, Z Magazine ( com 10.000 exemplares), um centro de formação audiovisual, Zmedia Institue, e um boletim quotidiano electrónico, em que um especialista analisa uma tema ligado à actualidade ( 150.000 subscritores recebem Zet por 30 a 120 dólares por ano, conforme os rendimentos)
(2) Um dos participantes, o ´servio Andrej Grubacic, resumia assim os «princípios de base» do anarquismo: «Descentralização, associações voluntárias, apoio mútuo, modelo em rede, e, acima de tudo, recusa da ideia de que os fins justificam os meios, e que um objectivo revolucionário pode apoiar-se do poder do Estado para em seguida impôr a sua visão com uma arma na mão»
(3) O livro mais conhecido e traduzido em várias línguas de Michael Albert é Parecon, Elementos de economia participalista. O seu último livro é «Realizing Hope: Life beyond capitalism», Z Books, Londres, 2006, de onde foram retiradas a maior parte da citações do presente artigo. Para uma exposição detalhada da teoria, consultar Michael Albert e Robin Hahnel, The Political Economy of Participatory, Princeton Press, Princeton (New Jersey), 1991
(4) Um debate muito vivo e completo opôs David Scweickart e Michael Albert, consultável em
www.zmag.org.org/debateschw.html
(5) Ler Cécile Raimbeau, «En Argentine, occuper, résister, produire», Le Monde Diplomatique, Septembre 2005
(6) Um dos intervenientes, Greg Wilpert sugeriu o sentimento que lhe inspira as teorias de John Holloway, autor do livro com data de 2002, «Change the world without taking power: the meaning of revolution today» (Pluto press), ao titular o seu livro, recentemente editado pela Verso (Londres), «ChangingVenezuela by taking power: the history and policies of the Chavez government»
(7) Ler «Eternelle récupération de la contestation», Le Monde Diplomatique, Avril 2001
(8) Vincent Cheynet, «our en finir avec l’altermonde»,La Décroissance nº 32,Lyon, Juin 2006
(9) Jean-Pierre Garnier, «L’altermondialisme: un internationalisme d’emprunt», Utopie critique nº37, Paris, 2º trimestre de 2006
(10) Esta lista retoma no essencial a de Stephen Shalom que está resumida em «Realizing Hope», p. 23-24

A actual vaga massificadora do turismo sexual

A miséria económica dos países do Sul
e a miséria afectiva dos países do Norte





Face ao mal-estar das sociedades de consumo das economias industrializadas ( como é o caso de Portugal), que pouca importância conferem à vida intelectual, ética e espiritual, e que condena o quotidiano dos «cidadãos» a un estilo de vida gelatinoso e a uma frugal vida de aparências, quantas vezes ocupada em hipermercados, centros comerciais e cabeleireiras, oferecendo subprodutos de escaparate, transformando as pessoas vulgares em «clientes» passivos, anulando a sua capacidade activista de, como sujeitos, traçarem o seu próprio destino, já para não falar dos efeitos induzidos do assalariamento desresponzabilizante do trabalho por conta e sob a direcção de outrem, assim como da alienação televisiva ( com telenovelas, concursos, espectáculo,…) que empurra e promove a passividade amorfa do telespectador de sofá – face a esta triste realidade do seu quotidiano, os cidadãos dos países industrializados do Norte sentem cada vez mais a necessidade de preencherem o seu vazio existencial e «fugirem» para o ambiente «quente» e muito mais «humano» e afectivo das sociedades do Sul, nem que para isso tenham de recorrer ao seu enorme poder de compra de consumidores, comprando os mais variados serviços, sejam eles de carácter turístico ( viagens de avião, por exemplo), de carácter afectivo ou até mesmo sexual.

Trata-se, no fundo, de estratégias comportamentais para satisfazar necessidades existenciais que não encontram satisfação nas nossas sociedades desenvolvidas em que predomina os feitiches e os gadgets do consumismo paralisante e amorfo, o frio formalismo burocrático da modernidade, e a espectacularidade dos media ( com a TV à frente) que tudo converte em realidade catódica pronto a ser servida à hora do jantar…

É neste contexto societário que se insere, e que se pode explicar, a actual e crescente vaga de turismo sexual realizado por indivíduos dos países industrializados do hemisfério Norte em direcção aos países pobres do hemisfério Sul.

Um turismo sexual que não é exclusivo dos homens mas que também envolve cada vez mais mulheres que se dirigem para estas últimas sociedades em busca de satisfações afectivas e sexuais que não encontram nas suas terras de origem e que, habitualmente, passa pelo pagamento monetário destes serviços, mas que pode em alguns casos não ser assim, uma vez que nessas sociedades a monetarização das relações sociais ainda não é completa e as relaçõe afectivas e sexuais naquelas culturas indígenas poderem ser regidas por outros padrões que não decorram do uso de moeda, ao contrário do que acontece nas nossas sociedades de consumo onde as relações sociais estão completamente mercantilizadas e que são intermediadas pelo omnipotente ( e existencialmente absorvente) dinheiro.

Desgraçadamente já se tornou um hábito assistirmos( sobretudo nos períodos de férias), a uma sucessiva hemorragia de turistas europeus em direcção a países como Marrocos, Brasil, Tailândia, Filipinas,etc. Uma vez chegados ao destino, num qualquer balcão de ocasião, não escondem o que realmente procuram e querem obter:

- «Um postal e uma puta, se faz o favor!» (para os homens)
ou
- «Uma bebida e um macho amável, por favor!» (para as mulheres)


Reproduz-se a seguir o texto publicado no Le Monde Diplomatique de Agosto de 2006, com o título «Para uma massificação do turismo sexual? » ( Vers un tourisme sexuel de masse?) e de autoria de Franck Michel


As indústrias de viagem e do sexo partilham entre si interesses comuns ao converterem o mundo num gigantesco parque de atracções. Assente no tradicional universo da prostituição, o turismo sexual estende-se ao ritmo da crescente mobilidade e globalização turística. Nos países onde a constante é a pobreza, ele afecta centenas de milhares de seres humanos, em que as crianças são uma parte não negligenciável.

No seguimento do turismo clássico chegou agora o turismo sexual a conhecer actualmente a «democratização». Cada vez mais se assiste à emergência de uma prostituição «à la carte», uma tendência que segue, aliás, de perto o que se passa com as viagens à medida…Não é raro encontrar em Phuket ou em Ko Samui, só para evocar o caso da Tailândia, um motoqueiro ocidental a transportar, atrás de si, na sua moto uma «namorada», designação oficial e mais aceitável que prostituta, e que ele alugou para uma semana ou um mês.

O turismo sexual conhece hoje uma autêntica «bola de neve» e que se está a tornar numa verdadeira massificaçã. Ainda na Tailândia, os novos clientes são cada vez mais jovens ocidentais em busca de aventuras e de sensações fortes. Tais jovens estão a substituir os velhos turistas alemães, japoneses ou norte-americanos, os quais já tinham substituído os militares que estavam colocados naquela região, aquando da guerra do Vietname. Por outro lado, uma nova clientela faz a sua aparição nas praias e nos bares: os malaios, chineses, sul-coreanos…

A prostituição «turística» afecta muito os países do hemisfério Sul: aí as raparigas ( e os rapazes) são jovens, ppbres,pouco instruídos e facilmente exploráveis. Entram de uma forma mais ou menos forçada na prostituição, «ofício» este que não têm vontade de exercer. À busca de sexo fácil e barato os turistas sexuais estrangeiros afluem à procura de carne fresca, disponível e submissa. Numerosos deles, para a sua boa-consciência, apontam mil e umas razões para se auto-convencer que não abusam da miséria dos jovens. Segundo eles,mais não fazem que ajudar, apoiar e contribuir para o desenvolvimento do país….

Nesses países , após a vaga do turismo de massas, o desenvolvimento do sector informal da prostituição verificou-se com a chegada dos turistas individuais. Pode-se estabelecer uma cartografia do turismo sexual: as mulheres vão a Goa ( na Índia), à Jamaica, à Gambia; enquanto os homens preferem os países do Sudeste asiático, Marrocos, a Tunísia, o Senegal, a República Dominacana, Cuba, Panamá, Suriname, México, sem esquecer, é claro, o Brasil, onde se estima que haja 500 mil crianças a prostituírem-se (1)

O turismo sexual de massas desenvolve-se assim no cruzamento de diversos mobilidades turísticas. Para muitos ocidentais, ele representa uma nova forma de colonizaçãoadaptada à nossa época. Há quem queira estabelecer uma distinção entre prostituição forçada e a prostituição voluntária ou «livre». Sob o pretexto de que em certas cidades dos países do Norte – ou nos enclaves abastados dos países deserdados – a prostituição de luxo, dita «livre», poderá permitir a certas raparigas ( que tenham escapado ao controle dos proxenetas) de «dispôs livremente do seu corpo». Esses mesmo admitem, no entanto, que na maior parte dos países do Sul – tal como nos enclaves miseráveis das cidades dos países do Norte ou do Leste – a prostituição é uma actividade exercida sob um apertado controle ( com proxenitismo, violências, violações) (2). Mas como combater a prostituição nos países pobres do Sul, se se pretende que ela é, nos países do Norte, o resultado de opções individuais.

Industrialização dos corpos

Outros insistem para que não se confunda a prostituição infantil e a prostituição dos adultos. A insistência nesta diferença acaba por ser algo suspeita. Tanto mais que o consenso estabelecido para condenar o abuso sexual de crianças já não é fácil para a condenação do abuso dos adultos ( mulheres e homens), que é visto e admitido como uma deriva, presumida como inevitável, no mundo em que vivemos. Como consequência, a prostituição infantil incómoda todos, mas cada qual vai acomodando-se à prostituição «clássica».

Numa tal atmosfera o turismo sexual é objecto, de alguma forma, de uma desresponsabilização e desculpabilização. Tanto mais que a prática se inspira nas indústrias clássicas do sexo: pornografia e prostituição. Uma prostituição que não seria mais do que aquilo que é proposto pela pornografia (3). Estes dois universos convergem para instrumentalizarem os seres humanos e industrializarem os corpos. O aparelho mediático e publicitário aparecem a preparar o terreno visando reforçar o reconhecimento oficial da indústria do sexo. A violência sexual é assim celebrada, ao mesmo tempo que ele surge em tudo o que é media, mesmo quando é para ser alvo de denúncia. Um paradoxo e uma confusão que é bem a imagem da nossa cultura porno chic e soft que consagra a dominação do macho, numa época em que a sua virilidade parece estar em declínio.

A procura sexual é encorajada e estimulada por uma oferta em alta. O mercado estende-se e diversifica-se: uma internacionalização da oferta, com raparigas cada vez mais jovens, provenientes dos quatro cantos do mundo, atrai novos clientes (4). Com este afluxo de emigrantes do sexo, alimentado pela sede de consumo, a rotação das raparigas está garantida. Objecto de todas as espécies de tráficos, os corpos ficam disponíveis. A tarifas que não param de deixar por causa da dura concorrência.

O sucesso crecente do turismo sexual feminino mostra que a mulher vai a par com o homem, reiterando e reproduzindo as representações do poder, da dominação e da exploração. A esse respeito, não é inútil a aproximação – no plano essencialmente simbólico – entre, por uma lado, o «turismo organizado», confiado a uma agência ou a um operador, e, do outro, o «turista sexual».

O turista organizado afasta, frequentemente, toda a responsabilidade desde o momento em que ele desembarca no destino da sua viagem de férias. Expressão disso são as palavras do viajante, acabado de desembarcar no aeroporto de Hanói: « Eis que acabei de chegar de avião, a partir de agora confio a minha sorte nas próximas semanas ao meu guia, pois estou fatigado de mais do meu emprego e agora não quero mais pensar,mas apenas deixar-me levar». Não há aqui, certamente, qualquer referência sexual explícita, mas outros farão a devida associação de ideias, e não deixarão de dar o passo que falta…

Com efeito, no fim do mundo, tudo se torna possível, nomeadamente quebrar certos interditos. Outro exemplo: um turista perdido no meio do seu grupo confiará talvez o seu destino ao guia ou à agência de viagens, permitindo práticas que seriam objecto de reprovação ou de proibição ao pé da sua porta. Como banhar-se nu numa praia da Malásia, rodeado de pescadores muçulmanos, ou namorar uma miúda que se aproxima para vender cigarros ou bugigangas num restaurante do Vietname.

É quase sempre desta forma que o turista ordinário, longe da sua casa, começa a praticar actos que seriam totalmente impensáveis na sua própria região habitual de residência. Esta aspiração à transformação de si é tanto mais fácil para os turistas – organizados ou não – quanto mais tiver se instalado na sua mente a perda de responsabilidade que ocorre durante a viagem… Para o turista organizado, o Outro – o “indígena”, dizia-se no tempo das colónias – é o servidor turístico, cujo papel consiste em ser explorado.
O turista sexual livra-se com frequência de toda a responsabilidade humana, uma vez que, por meio de uma transacção financeira, sente-se liberto da necessidade de se preocupar com o Outro. Ele não se sente mais nem na obrigação de respeitar a sua (ou o seu) parceiro efémero, nem de lhe proporcionar prazer. Ao pagar por um serviço – no caso, sexual – ele está comprando a liberdade de uma pessoa sobre a qual, por um tempo determinado, tem todos os direitos. Inclusive o de reduzir esta pessoa ao estado de “produto mercantil”, de mercadoria.
Ele não precisa de poupar sua presa, forçada à submissão, da qual pode dispor como bem entende, sem ter medo de ser expulso ou castigado por uma autoridade. O cliente é rei. Em férias, muito particularmente. O cliente-turista é o único a mandar a bordo, uma vez que o Outro foi relegado à condição de escravo sexual, pouco importando, aliás, que ela (ele) seja bem ou mal tratada pelo seu mestre do momento.
É visível as grandes diferenças entre o turista organizado e o turista sexual, mas a passagem de um para o outro por vezes vem a ser surpreendentemente fácil. “Em geral”, explica Paola Monzini, “o sexo pago tornou-se uma componente mais ou menos visível do turismo de massa (5)”. Contudo, a maioria dos turistas sexuais opera de modo solitário. Essencialmente por duas razões: o medo de chamar a atenção e ser denunciado, e o egocentrismo evidente do abusador.
Pode um turista organizado transformar-se num turista sexual? Sim, caso ele se acomode com muito facilidade à tendência actual de ficar ligado na moda do momento – que celebra o culto do corpo e o do rejuvenescimento, tendo como pano de fundo a apetência sexual e o mal-estar da civilização (6). Encontramos, por exemplo, o arquétipo desse veraneante no personagem central do romance “Plataforma”, de Michel Houellebecq, no qual o mergulho no sexo e na viagem permite ao turista vulgar ter a impressão de ser alguém diferente daquele que está empregado e é submisso, enfim, no homem sem qualidades que ele é na sua morna vida quotidiana. No Ocidente, o turismo sexual continua sendo representado de duas maneiras muito simplistas e incompletas demais: de um lado a miserabilidade, e do outro o angelismo.
Cinco causas principais estão na origem da expansão sem precedente do turismo sexual de massa: a pauperização crescente; a liberalização dos mercados sexuais, que incentiva mais ou menos directamente o tráfico de mulheres para fins de prostituição; a persistência de sociedades patriarcais e sexistas; a deterioração da imagem da mulher, tendo como pano de fundo a violência sexual generalizada e banalizada; e a explosão do turismo internacional e dos fluxos de migrantes de todo tipo.
Esta expansão foi estimulada por duas características das nossas sociedades: em primeiro lugar, a ‘democratização’ dos fluxos de viajantes (massas de turistas que circulam por todo lado); em segundo lugar, a hiper-sexualidade dos jovens, cultivada por meios de comunicação obcecados pela violência sexual. Ela alimenta-se também da convergência entre a miséria e a beleza do mundo. Miséria e beleza atestam o corte que rege a ordem desigual do planeta. Uma miséria afectiva nos países do Norte, e uma miséria económica nos países do Sul e no Leste; “beleza” dos bens materiais de consumo no Norte, beleza das paisagens e das pessoas, assim como da espiritualidade, do modo de vida e das “tradições” no Sul e no Leste.
Na sequência da publicação da Declaração da Organização Mundial do Turismo (OMT) sobre a prevenção do turismo sexual organizado (9), adoptada no Cairo em Outubro de 1995, que sensibilizou os agentes do turismo e o conjunto dos clientes-viajantes para este flagelo global (que não diz respeito apenas às crianças), a luta contra “o turismo sexual de massa” começou a organizar-se melhor..

Blair e Bush foram para férias, depois de anunciarem ao mundo a iminência dos maiores ataques terroristas desde a II Guerra Mundial…!!!





A propósito dos perigosos atentados terroristas que, segundo o governo inglês de Blair, se preparavam para serem cometidos contra vários aviões, e que obrigou ao desencadeamento do estado de alerta mais elevado, o que significa a iminência de um ataque, e à adopção de medidas drásticas não só nos aeroportos britânicos como em todos os aeroportos mundiais, na passada semana, com os consequentes atrasos e os enormes transtornos já conhecidos, provocando um verdadeiro caos nos aeroportos britânicos, e de muitos outros países, ameaças de atentados esses que levaram mesmo Bush a lembrar, numa alocução televisionada, que os Estados Unidos estavam em guerra contra fascistas islâmicos, a imprensa mundial mas especialmente a imprensa inglesa começam agora a interrogar-se sobre a verosimilhança dessa propalada ameaça terrorista…

Com efeito, o jornal inglês Daily Mirror informa ontem que o primeiro-ministro Tony Blair não demorou uma hora para partir de férias, depois de ter discursado ao país para alertar do perigo e da iminência dos atentados terroristas, e cuja ameaça, nas suas palavras, seria a maior desde a II Guerra Mundial…

O mesmo se terá passado com Bush que não interrompeu as férias, continuando a trabalhar para o bronze…

!!!

Patti Smith contra os massacres provocados pelos bombardeamentos de Israel




A conhecida cantora e compositora nova-iorquina Patti Smith acabou de compor uma canção sobre o massacre de Qana e os bombardeamentos israelitas sobre os bairros civis e a população libanesa e que se pode encontrar no seu website:
http://www.pattismith.net/news.html



Qana


There’s no one
in the village
not a human
nor a stone
there’s no one
in the village
children are gone
and a mother rocks
herself to sleep
let it come down
let her weep

the dead lay in strange shapes

Some stay buried
others crawl free
baby didn’t make it
screaming debris
and a mother rocks
herself to sleep
let it come down
let her weep

the dead lay in strange shapes

Limp little dolls
caked in mud
small, small hands
found in the road
their talking about
war aims
what a phrase
bombs that fall
American made
the new Middle East
the Rice woman squeaks

the dead lay in strange shapes

little bodies
little bodies
tied head and feet
wrapped in plastic
laid out in the street
the new Middle East
the Rice woman squeaks

the dead lay in strange shapes

Water to wine
wine to blood
ahh Qana
the miracle
is love


A cantora faz a seguir algumas observações:


The Israeli practice of collective punishment is a war crime under the Geneva Convention. Why are they allowed to do this? Because they have our permission?

We send over four billion dollars in aid and weapons to Israel every year. We are paying for this devastation. The slaughter of children. The country in ruins.We are paying for this. George Bush willfully rejected a truce and now we have the Qana massacre on our head. Thirty seven of the dead were children.Qana is considered by some as the location of the first miracle of Christ. Turning water into wine. There is no wine flowing in Qana today. Only blood. Only blood.




Dá-me Cá os Braços Teus

(letra e música de Vitorino)


Se tu és o meu amor
Dá-me cá os teus braços teus
Se não és o meu amor
Vai-te embora adeus, adeus

Diz oh sol que alumia a gente
Por onde andará o meu bem
Terra estranha nunca foi quente
Quem me dera estar mais além

Mais além mais ao pé do monte
Onde nasce o rosmaninho
Muito padece quem está longe
Já me cansa de estar sozinho

Vendo a força do meu trabalho
Ruim paga me dão aqui
Vou-me embora sempre mais valho
Lá na terra onde nasci

Lá na terra onde nasci
Os campos são de toda a gente
Não há donos nem capatazes
Vou-me embora e vou contente