29.3.05

O automóvel e a destruição planetária

Depois de conhecermos um período de guerra fria entre 1945 e 1990 baseado no espectro da destruição nuclear do planeta, nós entramos desde então num período de guerra quente caracterizado pela ameaça da destruição do planeta pelo automóvel.

Esta guerra quente caracteriza-se pelo desenvolvimento massivo do uso do automóvel à escala planetária, pelo imparável aquecimento climático mundial, pela intensa corrida ao domínio das matérias-primas ( como o petróleo), pela pilhagem e esgotamento dos recursos petrolíferos e pelas guerras de conquista e de controle sobre as reservas petrolíferas.



A massificação planetária do automóvel

O modelo ocidental do automóvel individual generalizou-se à escala mundial desde os anos 90. Enquanto a taxa de motorização ( nº de viaturas por 1000 habitantes) continua a progredir nos países ocidentais desde 1990, ela explode nos países em vias de desenvolvimento, em particular, na China e na Índia. A taxa de motorização na China multiplicou-se por três entre 1990 e 2003, e o mesmo aconteceu na índia entre os anos de 1985 e 2002. É certo que essas taxas de motorização ainda são relativamente fracas comparadas com as dos países ocidentais ( 15 viaturas/ 1000 habitantes na China, enquanto em França a taxa é de 600/1000, e nos Estados Unidos atinge 800/1000), mas elas estão em franca progressão e tal acontece em países fortemente povoados.

A triplicação da taxa de motorização chinesa entre 1990 e 2003 fez aumentar o parque automóvel de viaturas particulares de cerca de 15 milhões de unidades . Uma nova triplicação dessa taxa no período entre 2005 e 2020 provocará umnovo aumento do parque mundial de mais 50 mil carros…

Um estudo feito sobre os países do leste mostra que entre 1990 e 1998 o número total de viaturas em 10 desses países passou de 14,7 a 23,1 milhões, ou seja, um aumento de 57%. A taxa de motorização média desses países era três vezes menos à da França. Imagine-se agora quais serão as taxas de progressão desses países num mais que previsível contexto de integração acelerada no modelo de desenvolvimento oeste europeu.

Com um parque automóvel mundial de cerca de 500 milhões de viaturas em 1999, as estimativas mais razoáveis apontam para uma duplicação desses números em 2020, isto é, para cerca de mil milhões de automóveis sobre o planeta.

Segundo Jean-Marie Revaz,, presidente do Salão Automóvel de Genebra, «cerca de 600 milhões de viaturas individuais circulam cada dia na superfície terrestre e 42 milhões de novos carros são produzidos cada ano»

Se,por hipótese, o conjunto da humanidade fosse equipada como os franceses, então teríamos cerca de 3 mil milhões de automóveis a circular no planeta, o que certamente significaria uma rápida destruição do planeta pela poluição causada, por força do esgotamento das matérias primas, do espaço e até por razões de segurança.

O aquecimento climático acelerado

Segundo um grupo de especialistas reunidos sob a égide da ONU, a temperatura média mundial aumentou de 0,6 graus no século XX.

Desde o fim do século XIX observa-se igualmente uma subida do nível dos oceanos de 10 a 20 cm. A década de 990 foi a mais quente de todas nos últimos 150 anos no hemisfério norte e o ano de 1998 foi o ano mais quente de todos desde que há registos ( 1861), seguido de psero pelos anos de 2002,2003 e 2004.


Os factores naturais ( raios solares, vulcões) não podem por si sós explicar o aquecimento do planeta. No seu terceiro relatório científico (2001), o Grupo de especialistas intergovernamental sobre a evolução do clima (GIEC) confirma a influência do homem sobre o clima. A maior parte do aquecimento, observado nos últimos cinquenta anos, provêm do aumento das emissões de gás produzido pelas actividades humanas, à frente das quais se encontram os transportes.


Na ausência de uma redução das emissões antrópicas do gás com efeito na atmosfera, o GIEC estima que a temperatura mundial média arrisca-se a aumentar de 1,4 a 5,8 ºC entre 1990 e 2010. Cetas projecções falam mesmo de um aumento de cerca de 10ºC

Segundo os últimos estudos realizados pelo centro de meteorologia francesa, o termómetro poderá elevar-se de 4 a 7 graus em média no Verão em França durante o período 2070-2100, tornando a canícula sentida no ano de 2003 como «um Verão frio».

Segundo o site Photeus o transporte é de longe o responsável nº1 do aquecimento climático, representando 29% da emissões de gás em 2002.

Na realidade, 160 milhões de toneladas de CO2 é a contribuição anual dos transportes franceses para o efeito de aquecimento global, num total de 554 milhões de toneladas (consultar:
http://www.ifen.fr/ )

O aquecimento climático projectado para o século XXI arrisca-se a provocar um aumento contínuo das águas, o que terá um forte impacte nas regiões costeiras mundiais., isto é, nas regiões mais povoadas do planeta, gerando fortíssimas tensões obre a ocupação do espaço. Prevê-se igualmente o desaparecimento de espécies vegetais e animais. As quantidades de água potável arriscam-se a diminuir provocando aumento a probabilidade de conflitos sobre a sua apropriação e controle. A «guerra quente» será também uma guerra pela água.

Os países desenvolvidos desenvolverão estratégias de protecção, como o desenvolvimento massivo da climatização ( em particular, nos automóveis), o que contribuirá ainda mais para a aceleração mundial do fenómeno do aquecimento climático.

O protocolo de Kioto não vai mudar nada. O seu impacte será pequeno num plano estritamente científico. Com a adesão dos Estados Unidos a diminuição da temperatura seria atenuada em 0,06 ºC (AFP). Ora nem sequer os Estados Unidos nem ainda os países do Sul com forte crescimento económico assinaram o protocolo.

Uma das consequências do aquecimento climático é o desaparecimento progressivo dos glaciares, já iniciado. Face a este problema apareceram soluções ridículas como a sua embalagem para se protegerem dos raios solares(
http://permanent.nouvelobs.com/sciences/20050322.OBS1894.html ). Mas esta solução, com um custo de 60.000 euros para cobrir apenas 3.000m2 de gelo, só ilustra a loucura dos homens e a falta de senso das nossas sociedade civilizadas. No fundo, trata-se de mais uma solução fornecida pelo mercado capitalista a um problema ambiental global o que mostra mais uma vez, tal como o desenvolvimento da climatização , que a mão invisível do mercado mais não é um imperialismo ecológico baseado na pilhagem e na destruição do planeta.

A pilhagem dos recursos naturais ou «a economia do suicídio»

Segundo os Amigos da Terra, o aquecimento climático gerado pelas emissões excessivas de dióxido de carbono para a atmosfera tem tido efeitos desastrosos como a mudança dos ciclos das estações, as inundações, os furacões, a subida das águas dos oceanos, que são já perceptíveis. A poluição do nosso ambiente, a extracção dos recursos naturais são factos devidos a um modelo de desenvolvimento que só aproveita para uma minoria em prejuízo da grande maioria dos seres humanos.

Ora o crescimento acelerado de certos países do Sul provoca a pilhagem ainda mais intensa dos recursos naturais. Segundo Françoise Lemoine, economista no CEPII (Centre d'Etudes prospectives et d'informations internationales), o crescimento explosivo da China começa a traduzir-se por problemas de «aprovisionamento de matérias primas, nomeadamente em energia. A China não é rica em matérias-primas e o seu crescimento não tem nada de económico. Por consequência, o desenvolvimento económico do país faz-se em prejuízo do ambiente. Com efeito, a China é p segundo produtor mundial de gás com efeito de estufa depois dos Estados Unidos. E se continuar a este ritmo, as pressões sobre as matérias primas ainda mais se vão intensificar» (
http://www.lexpansion.fr/art/15.0.129678.0.html )

Já hoje a corrida às principais matérias primas industriais ( alumínio, aço, cobre, etc) conhece tensões importantes no mercado mundial, por efeito do aumento da procura induzido pelo crescimento económico chinês, e as deslocalizações industriais das multinacionais ocidentais só pioram o panorama.

Apesar das discussões entre os especialistas acerca da exacta data do Pico de Hubbert, o consumo do petróleo conhece uma aceleração sem precedentes o os preços do petróleo batem sucessivos records. A OPEP ( Organização dos países Exportadores de Petróleo) parece não controlar a situação, não dispondo de margem de manobra uma vez que já está a produzir no máximo das suas capacidades( consultar para mais informações
http://www.liberation.fr/page.php?Article=283202).

Para satisfazer esta «fome de petróleo sem fim», os Estados Unidos já decidiram avançar para a exploração petrolífera numa sua reserva natural, como é o Alaska, para produzir um total de 1 milhão de barris/dia, ou seja, 1/8= do consumo mundial diário de petróleo em 2003 ( cerca de 80 milhões de barris/dia)
( consultar:
http://radio-canada.ca/International/014-petrole-alaska.shtml)
A fim de satisfazer o crescimento explosivo da motorização na Chuna, o consumo chinês de petróleo aumentou em 2004 ao ritmo espectacular de 14% ( consultar : http://www.lariposte.com/22/enjeu_petrole.htm)
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Este imperialismo ecológico, como todo o imperialismo, está baseado no princípio da destruição total. A pseuda-regulação da oferta e da procura parece não ser capaz de atenuar esta corrida às matérias primas. A escassez progressiva da oferta face a uma procura cada vez maior levara logicamente a uma intensificação da corrida às matérias primas. Os ganhos de produtividade e os progressos tecnológicos permitirão pilhar cada vez mais a um baixo custo dentro de limites aceitáveis para as economias já sobreaquecidas e dispostas a pagar caro o custo global da energia.
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A guerra quente ou as novas guerras de conquistas.
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No plano militar, este imperialismo ecológico não se substitui ao imperialismo mais clássico, que foi responsável pela mais pura tradição neo-colonial. Mas torna-se o motor de novas guerras de conquistas, baseadas na procura do controle das reservas petrolíferas. As duas últimas guerras do Golfo são bem a ilustração perfeita desta nova orientação petro-estratégica. A ideologia da guerra fria é substituída pela economia da guerra quente.
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«Neste contexto, com 10% das reservas mundiais, o Iraque tornou-se o alvo das ambições americanas. Todavia, o Iraque não pode, com as possibilidades tecnológicas e financeiras ao seu dispor, desenvolver a sua produção a um nível satisfatório para os interesses norte-americanos. Por isso é que a privatização do petróleo iraquiano e a sua exploração por empresas americanas foi um dos objectivos de guerra dos Estados Unidos. No fundo, trata-se de enfraquecer e dobrar a OPEP, eterna inimiga, e do seu sistema de quotas.
Contudo, os acontecimentos no Iraque mostram-nos que os objectivos americanos não são fáceis de serem alcançados, e muito menos por via da Venezuela. Tendo em conta a evolução da guerra no Iraque, e mesmo supondo que os Estados Unidos conseguissem manterem-se por lá durante algum tempo, é muito duvidoso que conseguissem gerir a produção petrolífera do país a ponto de mudar significativamente a oferta mundial. O Iraque não será solução para os problemas energética norte-americanos.» (
http://www.lariposte.com/22/enjeu_petrole.htm)
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Quais serão os próximos alvos da administração norte-americana no objectivo de alimentar os depósitos das viaturas do automobilismo mundial? O Irão está na lista dos «estados-canalhas» o que não é surpresa alguma se pensarmos que é quinta maior reserva de petróleo bruto no mundo (
http://www.strategicsinternational.com/f5sabahi.htm)
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Mas a surpresa pode bem vir da Arábia Saudita que já começa a ser acusada de financiar o terrorismo internacional, tendo em conta o facto de dispor de importantes reservas de hidrocarbonetos do mundo. Tanto mais que, sob a ameaça de uma destruição das suas instalações petrolíferas pela Al Quaida, o país pode ser o próximo a receber um «intervenção preventiva» dos USA destinada a garantir a estabilidade do fornecimento mundial de petróleo. ( consultar para mais informações : http://www.digitalcongo.net/fullstory.php?id=50661)
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A Administração norte-americana é cada vez vez mais, não o polícia do mundo, mais o pirómano do planeta…
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Enquanto a guerra fria estava baseada no nuclear, a guerra quente baseia-se fundamentalmente no automóvel e no seu uso massivo à escala planetária. O automóvel individual caracteriza o modo de vida ocidental, em expansão rápida pelo resto do planeta, e que está baseado na pilhagem acelerada dos recursos naturais, muito especialmente dos hidrocarbonetos. Ora o que já é dificilmente sustentável à escala do Ocidente, torna-se simplesmente impossível à escala planetária. As primeiras petro-guerras e a exploração do petróleo no seio de santuários ecológicos, a poluição crescente e o aquecimento climático previsto, as tensões actuais na corrida às matérias primas e a pilhagem acelerada das reservas mundiais são sinais visíveis de uma destruição programada do planeta pela «civilização do automóvel»


Autor : Marcel Robert

Bibliografia :
* ALLAIRE J., La motorisation du transport de personnes en Chine, entre croissance économique et soutenabilité, Cahier de Recherche LEPII n°34, janvier 2004. * OUDIN J., POLITIQUE DES TRANSPORTS : L'EUROPE EN RETARD, RAPPORT D'INFORMATION 300 (2000-2001) - DELEGATION DU SENAT POUR L'UNION EUROPEENNE
http://www.senat.fr/ *DUPUY G., La dépendance automobile, Economica, Paris, 1999. *Conférence Voiture et Cité du 24 avril 2002, http://www.e-mobile.ch/

O acidente nuclear de Three Mile Island foi há 26 anos




A unidade 2 da central nuclear da Ilha de Three Mile situada a 16 km da cidade de Harrisburg ( com uma população de 70.000 habitantes) na Pensilvânia, sofreu uma grave acidente em 28 de Março de 1979.
Uma pequena fuga no gerador de vapor desencadeou o mais grave acidente na histórias das centrais nucleares norte-americanas, e o segundo mais grave na história da energia nuclear. As causas foram atribuídas ao projecto de desenho daquelas instalações.

A perda de refrigerante ocasionou um aumento da temperatura do núcleo que acabou por fundir-se provocando o derrame de material radioactivo e a formação de uma perigosa bolha de hidrogénio que ameaçava a todo o momento explodir e lançar pelos ares toneladas de material radioactivo. Para evitar a explosão foi decidido libertar uma quantidade indeterminada de gás radioactivo que afectou toda a região.

As consequências do acidente sobre a saúde da população são ainda hoje objecto de discussão e polémica, tanto mais que se tornou difícil avaliar as doses de radioactividade a que as populações estiveram expostas. As acções de emergência fotam claramente insuficientes pois acabaram por se traduzir na evacuação de mulheres grávidas e de crianças num raio de 8 milhas à volta do local do acidente somente dois dias depois dos factos!!! Foi, entretanto, detectado um aumento de más formações congénitas e de cancros nos anos seguintes.

O acidente de Harrisburg representou o declínio da energia nuclear em todo o mundo. Por um lado, aquele acidente demonstrou que as centrais nucleares eram inseguras, o que aumentou a oposição social às instalações nucleares de produção de energia, e, por outro lado, os custos pelas medidas de segurança adoptadas desde então tornaram pouco lucrativas as empresas proprietárias das centrais nucleares.

Infelizmente as lições a retirar do acidente de Harrisburg não foram suficientes para impedir o maior acidente nuclear da história em Tchernobil, na Ucrânia, em 1986.

«The Day after» é o nome de um filme, entretanto, realizado, inspirado naqueles acontecimentos, e que sensibilizou ainda mais para os perigos da energia nuclear.


NUCLEAR?
NÃO, OBRIGADO

O 40º aniversário do primeiro Teach-in



Realizou-se uma reunião geral entre os estudantes, elementos da faculdade e da comunidade educativa na passada quinta-feira ( 24 de Março) em Angell Hall na Universidade de Michigan em comemoração do primeiro teach-in que teve lugar em 1965 naquele local.

Estudantes, elementos da faculdade e da comunidade educativa , e os presentes do primeiro teach-in comemoraram o 40º Aniversário do Teach-in realizando um encontro cujo objectivo foi a Análise do Império americano no mesmo local em que realizou o primeiro teach-in, no Angell Hall da Universidade de Michigan, Ann Arbor. Vários foram também os convidados a assistir. O teach-in incluiu uma intervenção introdutória por Al DeFreece, Rich Feldman, e Tom Hayden.
Realizou-se a seguir seminários e workshops sobre os seguintes tópicos:
-- A hegemonia Económica americana e a globalização
--A Guerra no Iraque; O 11 de Setembro; A Guerra do Terror,
-- Os Media
--Raça e Racismo como uma Justificação do Império
--As mulheres e o Império
-- As Corporações e a Cultura de Massas
--O Conflito palestino: Porque é que é incómodo discutir isto?
--O Ambiente e as Transformações Globais
--O Futuro de Activismo

Nestes Seminários e workshops participaram vários membros da comunidade escolar e da faculdade e coordenados por um moderador. O evento também incluiu uma parte para as artes e música, comida livre, mesas-redondas sobre a vida estudantil e da comunidade e a construção de uma parede com pontos que mostravam a conexão entre os vários pontos do Império Americano. O teach-in culminou com um convívio à meia-noite
Curisamente a administração universitária negou-se a apoiar este Teach-in comemorativo cedendo gratuitamente as instalações, o que, no entanto, aconteceu em 1965 nas comemorações do 30º aniversário do Teach-in em 1965. Eles justificaram-se dizendo que as circunstâncias mudaram mas não explicaram a sua recusa de apoio

Mais informações:
www.teachin2005.org

Edições recentes ( a ler)

«A Praia sob a calçada, Maio 68 e a Geração de 60», por Fernando Pereira Marques, edições Âncora

«História do Ateísmo», por Georges Minois, ed. Teorema

«Dimensões Culturais da Globalização», por Arjun Appadurai, ed. Teorema

«Globalização, Transnacionalismo e novos fluxos migratórios, dos trabalhadores convidados às migrações globais», por Stephen Castles, ed. Fim do Século

«Ecologia profunda», por Bill Devall, por George Sessions, edições Sempre-em-pé

«Construir a Esperança, pessoas e povos desafiam a globalização», por John Feffer, edições Sempre-em-pé

«Na Terra dos Sonhos«, antologia de letras de Jorge Palma, edições Quasi

«Uma visita a Portugal em 1866», por Hans Christian Andersen, edições Galivro

Ulisses ( personagem principal da Odisseia, de Homero)




Ulisses nasceu numa ilha situada no Adriático, diante da costa noroeste da Grécia. A ilha chama-se Ítaca, e eleva-se, escarpada, montanhosa e árida, no meio do mar. O seu pai era Laertes e a sua mãe Anticleia. Os textos não nos falam da sua infância, mas sabe-se que, durante a sua juventude, fez várias viagens ao continente.
Passada a adolescência recebe do velho Laertes o trono de Ítaca. Na sua qualidade de rei quis casar-se . Pensou em obter a mão de Helena, a futura mulher de Menelau e causa da guerra de Tróia, mas Helena era muito bonita e não faltavam pretendentes. Começou então a imaginar outros planos. Aconselhou Tíndaro, o pai de Helena, a exigir dos pretendentes que aceitassem a escolha, qualquer que ela fosse, do futuro esposo, e ajudassem a manter unido o casal.
A guerra de Tróia durará dez anos e dizimará, com pesadas baixas, ambas as partes: os gregos e os troianos. Ulisses tanto será um guerreiro como desempenhará missão delicada do diplomata. Será Ulisses que será enviado por Agamémnon a convencer Aquiles a tomar parte na luta, quando este, ofendido pela atitude do chefe de todos os gregos, que lhe roubara Briseida, se decidira a não combater ao lado dos seus compatriotas. Será também Ulisses que comandará o grupo de guerreiros que, escondido no ventre bojudo de um gigantesco cavalo de madeira, penetrará na cidadela de Príamo. Destruída esta, e acabada a razão de ser da guerra, Ulisses tem a mesma vontade que todos os restantes chefes gregos: regressar à sua terra natal.
Depois de algumas dificuldades, consegue finalmente fazer-se ao mar, onde vai começar a grande série de aventuras em que, sem querer, se verá envolvido.
Já vivera algumas peripécias aventurosas quando chega a uma ilha arborizada e fértil, onde se viam cabras selvagens a pastar. Aportou a terra, encalhou todas as embarcações, menos uma com a qual foi explorar a costa de uma ilha que se postava à sua frente. Viviam nesta os cruéis e monstros Ciclopes, assim chamados por terem, na testa, um único olho redondo. Estes monstros canibais que outrora tinham sido ferreiros dos deuses, dedicavam-se agora à pastorícia de enormes rebanhos. Depois de algumas marchas de reconhecimento, Ulisses, sem o saber, entrou numa enorme caverna, onde vivia Polifemo, o Ciclope. Aí se instalaram os gregos, que acenderam um forte fogo, e nele assaram alguns cordeiros que encontraram na caverna. Ao petisco juntaram o queijo que também tinham encontrado na caverna e começaram o festim. Já pela tarde, entrou Polifemo com o seu rebanho e pôs na entrada uma enorme pedra de proporções gigantescas, que só a sua força ciclópica podia erguer. Sem ter visto os estrangeiros, começou a ordenhar as ovelhas até ao momento em que se lhe depararam Ulisses e os companheiros . Espantado, perguntou o monstro o que faziam e donde vinham, ao que Ulisses respondeu com um pequeno discurso de apresentação, sem dizer, contudo, o principal. A resposta de Polifemo foi agarrar dois dos marinheiros pelos pés, levantá-los ao ar, batê-los contra a parede e devorá-los ainda palpitantes.
Depois de jantar, Polifemo deitou-se a dormir. Ulisses, por seu lado, bem queria tirar a desforra do Ciclope, mas não se atrevia a matá-lo, porque só este seria capaz de levantar a pedra que fechava a entrada. Veio a manhã, Polifemo levantou-se e comeu mais dois marinheiros gregos ao pequeno almoço. Saiu finalmente com o rebanho, depois de, cuidadosamente, ter fechado a caverna. Mas esta tinha sido fechada, já Ulisses pensava na maneira de se livrar de Polifemo. Preparou então um tronco verde de oliveira, cuja ponta endureceu ao lume. Com ele pensava Ulisses cegar o monstro. Ao chegar a noite, voltou Polifemo que comeu logo mais dois dos gregos. Ulisses então ofereceu-lhe uma tijela de vinho, daquele mesmo vinho que Máron lhe tinha dado em Ísmaro dos Cícones.O gigante bebeu, gostou e pediu mais, até que, desconhecendo totalmente os perigos daquela bebida, caiu num sono profundo. Mas antes de adormecer e encantado com o vinho perguntou a Ulisses como se chamava. Respondeu-lhe Ulisses: « O meu nome é Ninguém». Polifemo diz-lhe então, como que prometendo um favor:«Pois bem, Ninguém, meu amigo, serás tu o último a ser comido.»
Logo que o Ciclope adormecer, Ulisses e os companheiros que restavam pegaram no tronco já preparado e puderam a sua ponta ao lume da lareira, de modo a que ficasse incandescente. Quando a ponta já brilhava na escuridão da caverna, aproximaram-se do gigante e meteram-lhe a terrível arma no único olho da testa. Polifemo, ao sentir-se cego e, sobretudo, ao sentir a dor cruciante, deu um tal grito que fez acorrer, dos vales vizinhos, os ciclopes que ali viviam. Mas quando estes, chegando à porta da caverna, lhe perguntaram o que se passava, Polifemo respondia-lhes que «a culpa era de Ninguém». Assim os ciclopes, pensando que Polifemo estava doente e delirante, retiraram-se.
Polifemo, todavia, dirige-se tacteando para a porta e retirou a pedra, pois esperava que Ulisses, contente com a fácil vitória, tentasse agora fugir e lhe viesse cair às mãos. Mas Ulisses, ardiloso, sabia esperar: atou os companheiros aos ventres das grandes ovelhas do gigante e ele próprio prendeu-se, como pôde, ao ventre de um enorme carneiro. Já vinha a manhã e Polifemo, cansado de esperar pelos estrangeiros, que não vinham, levou o rebanho a pastar e com ele os marinheiros e Ulisses. Assim que este conseguiu desprender os companheiros, todos fugiram para o navio que estava encalhado na praia, e partiram, remando vigorosamente. Ulisses, ao ver que o perigo estava lá ao longe, lançou uma grande gargalhada, gritando a Polifemo que ele tinha tido junto de si não o «Ninguém», mas «Ulisses de Ítaca». O monstro, em resposta, lançou pelo ar uma pedra de proporções ciclópicas, que por pouco não afundou o navio de Ulisses, e pediu, ao mesmo tempo, a seu pai, Posídon, o deus do mar, que castigasse Ulisses. Posídon ouviu a prece do filho e tudo fará para perder o herói.
Ulisses, agora, irá buscar o resto da sua frota à ilha vizinha. Por fim, põe-se Ulisses ao mar novamente e a vingança de Posídon não se fez esperar. Depois de ter aportado à ilha de Eolo, guardador dos ventos, e depois de ter sido bem recebido por este, vai Ulisses a caminho da Ítaca. Eolo tinha-lhe dado, como presente, um odre cheio de ventos, dos quais Ulisses faria uso quando quisesse. Já se viam os telhados de Ítaca e o fumo das chaminés, quando Ulisses caiu exausto de sono e de fadiga. Um dos companheiros abriu então o odre, julgando encontrar nele o vinho. Soltam-se os ventos e logo terrível tempestade vem assolar a região de Ítaca e lançar para muito longe o barco de Ulisses. Depois de várias peripécias, chega Ulisses, perseguido pela ira de Posídon, ao reino dos Lestrigões na Sicília, ou, segundo outros, em Fórmias, no Sul de Itália. Não sabendo a que terra tinha chegado, mandou Ulisses encalhar as embarcações sobre a praia e enviou ao interior, em reconhecimento, alguns homens. Quando os Lestrigões, porém, os viram, vieram em hordas sobre as falésias onde os barcos de Ulisses estavam encalhados e do alto delas destruíam os navios com grandes pedras. Depois, desceram à praia e massacraram as tripulações, que devoraram. Só Ulisses logrou escapar com alguns camaradas e um só barco, após ter cortado a amarra com a sua espada.
Mais alguns dias de mar e eis que chegou Ulisses à ilha da Aurora, governada por Circe, a feiticeira. Era esta experimentada em todo o género de encanto e desconfiada, por natureza, do género humano. Transformou em porcos os 22 homens de Ulisses e foi preciso que este se munisse de um amuleto do deus Hermes para obrigar Circe a restituir aos companheiros a forma humana. Entretanto, apaixonou-se este por Ulisses, que não resistiu à sua beleza e vivei com ela alguns anos, até que, fatigado de estar na mesma ilha, pediu à própria feiticeira que o deixasse fugir. Consentiu esta na vontade de Ulisses, mas primeiramente exigiu dele a promessa de ir ao inferno. Para aí se dirigiu, pois o herói, seguindo, conforme indicou a feiticeira, o vento norte e as correntes do oceano até chegar à entrada do Aqueronte, que é o rio principal do Hades, do inferno. Depois de alguns sacrifícios aos deuses, entrou Ulisses no próprio Hades e percorreu o reino das sombras, no meio das quais encontrou velhos companheiros que tinham morrido na guerra, como Aquiles, e outros que tinham sido assassinados no regresso à pátria, como Agamémnon. Cumprida esta missão, voltou Ulisses à ilha de Circe e daí partiu novamente , depois de ter ouvido os conselhos da deusa, que o pôs de sobreaviso quanto às Sereias, por cuja ilha ele iria passar. Deste modo, quando Ulisses se fez ao mar e sentiu que se aproximava da ilha das Sereias, não se esqueceu das recomendações de Circe. Efectivamente, as Sereias, seres híbridos, formados de busto de mulher e corpo de peixe, cantavam de tal modo que fascinavam os mareantes, que, esquecendo tudo, iam em sua busca, acabando por se precipitar nos escolhos que se erguiam na costa daquela ilha. Por isso, Ulisses, quando as entendeu, ao longe, mandou que os seus homens tapassem os ouvidos com cera e que o prendessem ao mastro do navio de modo a que, no meio do encantamento, não levasse o barco contra os escolhos. Assim escapou Ulisses do cantar das Sereias e seguidamente escapará também dos dois monstros do estreito de Messina, Cila e Caríbdis.
Após ter abordado à Sicília, e devido a um sacrilégio, destrói-lhe Zeus o navio e a tripulação. Ulisses a custo chega à ilha Ogígia, onde viverá sete anos, acompanhado pela ninfa Calipso, a cujos encantos só logrará escapar quando Zeus, o pai dos deuses, lhe permita que construa uma jangada e se ponha, outra vez, a caminho de Ítaca.
Mas Posídon sabia tudo o que se passava no mar, e também soube que Ulisses se metera novamente a caminho. Encolerizado com tanta audácia, levantou uma tal tempestade que Ulisses andou dias e noites balançando pelas vagas, perdeu a jangada, e fo lançado, completamente exausto, e já sem quaisquer meios, à praia da ilha dos Feaces.
Estava Ulisses dormindo profundamente, quando se aproximam doze raparigas, que acompanhavam Nausícaa, a filha do rei Alcínoo, senhor da ilha. Tinham acabado de lavar a roupa, num ribeiro próximo, e agora divertiam-se a jogar à bola. Nausícaa, porém, afastou-se das companheiras e, ao chegar à praia, encontrou Ulisses, que acordou sobressaltado e nu. Cobriu-se com um ramo denso de oliveira, e, vendo que a jovem o tratava como amigo, seguiu-a em direcção do palácio real. Aí o receberam Alcínoo e Arete, sua mulher, que deram um festim em sua honra. Ulisses, perante tão grande generosidade, deu-se a conhecer e contou grande parte das suas aventuras.Bem teriam querido os reis casar Nausícaa com Ulisses, mas este declinou a oferta, pedindo tão-somente que lhe dessem um navio que o transportasse a Ítaca. Foi-lhe concedido o navio e Ulisses chegou finalmente à ilha, que ficava perto. Contudo, já tantos anos tinham passado que Ulisses nem sequer conhecia a ilha onde tinha chegado. De facto, depois de tanto tempo, todos os habitantes de Ítaca, súbditos de Ulisses, o julgavam morto. Todos menos Penélope e Telémaco, que ainda tinham alguma esperança.
Na verdade, muitos acontecimentos se tinham dado na ausência de Ulisses. Como este fosse julgado morto, muitos jovens príncipes, insolentes e brutais, apresentaram-se no palácio real, como pretendentes à mão de Penélope e, bem entendido, ao trono da ilha. Entretanto, esvaziavam os celeiros e dizimavam os gados, passando o tempo de espera em contínuos banquetes. E isto porque Penélope os obrigava a esperar, prometendo que no dia em que terminasse a mortalha para Laertes ( que ainda vivia), nesse mesmo dia, se faria a boda com o pretendente escolhido. Mas, com um ardil de mulher, a parte da mortalha que tecia durante o dia, desfazia de noite. E assim se manteve durante três anos. Nesta altura, porém, já os pretendentes estavam a perder paciência e tinham decidido matar Telémaco, quando este voltasse de Esparta, aonde tinha ido saber notícias de Ulisses.
Eis o ambiente que Ulisses sentiu, quando, depois de desembarcar, se dirigiu a casa do seu antigo porqueiro Eumeu. Sem se dar a conhecer, mas contando histórias ligadas a Ulisses, o herói ouviu de Eumeu tudo o que se passava. Entretanto, chegou Telémaco à casa do porqueiro, depois de ter conseguido escapar à morte preparada pelos pretendentes. Telémaco, todavia, não conheceu o homem que estava diante dele. Como poderia conhecer ele o pai, que, ainda Telémaco criança, partiu para Tróia e nunca mais voltara? É Ulisses que finalmente se dá a conhecer ao filho, nada dizendo, contudo, a Eumeu. Telémaco põe o pai ao corrente do perigo que os ameaçava e Ulisses decide partir imediatamente para o palácio, disfarçado de mendigo. Ao chegar ao palácio real, o primeiro ser que encontra é o seu velho cão Argos, que imediatamente o reconhece e logo morre de velhice e emoção. A fidelidade do cão comove-o, mas Ulisses tem muito a fazer e com Eumeu penetra no palácio, ou, mais precisamente, na sala de banquete, onde Telémaco, fingindo não o conhecer, recebe o pai, que está envolto de andrajos de mendigo. Todos os pretendentes estavam reunidos na sala e logo um deles o mais poderoso, Alcínoo de Ítaca, trata mal o mendigo que Telémaco recebera. Ulisses não se mostra ofendido, mas Penélope, sabendo do caso, manda chamar aquele que pensa ser um simples mendigo. Este, porém, faz os preparativos para aniquilar os pretendentes e manda Telémaco que retire todas as armas que estão penduradas na sala. Só então se dirige aos aposentos de Penélope, que, naturalmente, o não reconhecera ,muito embora o heróis lhe conte que Ulisses em breve voltará. É Euricleia, a ama de Ulisses, que o reconhece quando, ao lavar-lhe os pés, vê a cicatriz que outrora Ulisses tinha feito na caça ao javali. Mas Ulisses não a deixa comunicar o reconhecimento.
No dia seguinte, dá Penélope um grande banquete, durante o qual prometera decidir qual dos pretendentes escolherá para marido. Escolhido só poderá ser oque for capaz de dobrar o arco de Ulisses e meter uma seta entre doze anéis formados pelos orifícios de doze machados alinhados a seguir. Quando chega o momento nenhum dos pretendentes consegue dobrar o formidável arco de Ulisses, até que este, apoderando-se da arma, envia a seta por entre os doze anéis. Há grande espanto e grande fúria entre os pretendentes, mas, quando, Ulisses se vê em perigo, começa por matar Alcínoo, que para ele avançava. E assim Mata, auxiliado por Telémaco, todos os pretendentes, que, sem armas, foram completamente aniquilados. Agora já se pode dar a conhecer a Penélope, à qual, para maior segurança, faz minuciosa descrição do leito nupcial, que por ele mesmo fora mandado construir. No dia seguinte vai visitar Laertes, seu pai, que vivia no campo. Mas entretanto rebenta uma revolução contra Ulisses acusado de ter morto os mais importantes chefes de Ítaca. Atena, a deusa protectora de Ulisses, tomará parte dos acontecimentos e acalmará a multidão, disfarçada na figura de Mentor. Desta maneira tem Ulisses de novo o trono de Ítaca e a paz reinará para governar a ilha.
Quanto ao fim de Ulisses, muitas são as versões e uma delas até dizia que o herói teria sido morto pelo filho que tivera de Circe, num combate havido na própria Ítaca. Porém, Homero, nada nos diz.
Com símbolo grego Ulisses representa o homem hábil nas ocasiões difíceis e adaptável às mais variadas circunstâncias. Simboliza o homem que, perante um destino, nunca desanima, e tudo faz para vencer as dificuldades e que, perante o perigo mais grave, nunca volta a cara.