24.3.05

Centenário de Júlio Verne, um escritor sem deus nem amo



No dia 24 de Março de 1905 morria, aos 77 anos, um dos mais populares escritores da língua francesa, Jules Verne (1828-1905). Considerado como um escritor de livros para a infância, o seu valor está longe de ser devidamente avaliado. Em todos os seus escritos, a sociedade prevista por este visionário é uma sociedade anarquista, ao que não é certamente estranho o convívio que manteve com o seu amigo Piotr Kropotkin.
Para compreender a obra de Verne é indispensável situá-la em relação a três correntes ideológicas do século XIX francês: a solidariedade com as nacionalidades, a fé saintsimoniana na expansão económica e a crítica social anarquista levada até à negação mais radical.

Esta última influência levou Jules Verne para a crítica social e o individualismo libertário. Talvez seja a mais secreta das características de Jules Verne. Para a descobrir, teríamos de nos contentarmos com episódios e personagens aparentemente secundárias, ou até mesmo com deduções, se não acontecesse o caso de, no final da sua vida, Jules Verne não tivesse dado livre curso às suas simpatias anarquistas, e o lema «sem deus nem amo» viesse a ecoar com toda a sua energia no seu livro póstumo «Os náufragos de Jonathan», que se destaca pois para conhecermos o seu pensamento político

Nas suas Viagens Extraordinárias, que marcam a sua obra literária e se tornaram famosas , arremete contra o ouro, considerado como instrumento fictício de poder e riqueza. Com efeito, o ouro representa sempre um valor convencional muito relativo. Numa das cenas inolvidáveis, um dos seus personagens, o Doutor Ferguson que viajava num engenho construído por ele próprio, e que se abastecera de sacos de ouro para a viajem, decide lança-los pela borda fora à medida que a viajem prossegue e se torna necessário aligeirar o aeróstato.

O único caso em que o ouro ganha outra conotação que não seja negativa é o episódio doa galeões da Baía de Vigo encontrados por Nemo graças ao seu Nautilus e que lhe dará recursos ilimitados. Não obstante, o ouro está ao serviço de um homem que rompera com a sociedade e que considera necessário a ajuda aos oprimidos. Por isso mesmo, Nemo não hesita em enviar uma quantidade importante aos insurrectos candiotas por intermédio de um emissário.

É certo que, nas suas narrativas, não é feita uma análise profunda das forças económicas nem das desigualdades sociais. Praticamente não é feita alguma referência à produção e à exploração do trabalho pelo capital, que, no entanto, é coisa bem conhecida à época.

Em contrapartida Jules Verne ataca o direito de propriedade. As atribuições dos terrenos aos mineiros, a fragilidades das bases das minas, os erros cometidos na exploração dão-lhe os argumentos para criticar o carácter convencional e revocável da propriedade da terra.

A crítica social é vigorosa ainda que não seja manifestamente anarquista. Já o desacordo com a autoridade estatal, a distribuição de terras e a existência de fronteiras mostram-nos um registo claramente de teor anarquista. Jules Verne rejeita liminarmente o carácter frágil, litigioso das fronteiras e soberanias territoriais. Cenas há que mostram todo o seu ridículo, como daquela vez em que o tratado de cessão do Alaska aos Estados Unidos, e consequente transferência de soberania da Rússia para os EUA, coincide com a apresentação de um proscrito russo na fronteira e o seu receio de cair nas mãos da polícia czarista.
Relativamente à temática do nacionalismo, alguns laivos de patriotismo não influenciam ,no entanto, o sentido geral da sua obra. A comunidade social criada pelo capitão Nemo é a expressão clara da vontade de ultrapassar as nacionalidades. A tripulação do Nautilus fala de uma linguagem artificial e incompreensível e só quando está prestes a morrer um dos embarcadiços, apanhado por um polvo gigante, é que grita por socorro em francês.

Os juízes são vistos como pretensiosos e burocratas: todo o acusado é, para eles, um culpado. Os policías são antipáticos e cínicos. O erro judicial, tema caro à literatura anarquista da época, é o símbolo do conflito da sociedade e do indivíduo, assim como do carácter inseguro da justiça institucional.

A posição de Verne acerca da criminalidade é algo ambígua. As bandas de foragidos e de piratas, que intervêm amiúde nos seus relatos, são descritas com traços negativos, mas visto mais de perto surpreendemo-nos com uma secreta estima do autor pelo vigor humano destes fora de lei.

À sociedade estabelecida, com o seu rol de obrigações e formalismo, os anarquistas opõem os «meios livres», pequenas comunidades voluntariamente criadas e fundadas na solidariedade e no apoio mútuo segundo a tradição proudhoniana. Tais comunidades encontram-se frequentemente em «Os Mundos conhecidos e desconhecidos» e resultam, fortuitamente, de catástrofes ou de aventuras: os colonos da «Ilha Misteriosa», quando o seu engenho cai por força de uma tempestade; a guarnição do Forte-Esperança, enviada pela Companhia da Baía de Hudson para criar um estabelecimento subpolar e que se instala numa plataforma de gelo, coberta de terra, e que continuamente anda à deriva; Hetteras e os seus companheiros, passando o Inverno perto do Pólo dentro do seu abrigo de gelo; a colónia do capitão Savardac, levada pelo cometa Gália; os náufragos da Segunda pátria, algo inspirados pelo célebre Robinson suíço; os pupilos da pensão Chairman, abandonados numa ilha do Estreito de Magalhães durante dois anos devido ao naufrágio do seu «brick», à deriva ( em « Dois anos de férias»); a tripulação do Nautilus.

Todas estas colectividades nascidas da aventura caracterizam-se pela sua natural harmonia: os conflitos nacionais não existem, ou acabam por se esfumar; cada qual desenvolve as suas qualidades humanas, concretizando simultaneamente escolas de iniciativa pessoal e de solidariedade. Diferenciam-se, no entanto, dos «meios livres» anarquistas por uma diferença fundamental: é que as colectividades de Verne são dirigidas por um chefe, um organizador da actividade económica e da vida social. Esse chefe é geralmente um oficial ( o capitão Savardac, o tenente Hobson den En), ou por um técnico e um sábio ( Nemo, Robur, o engenheiro Cyrus Smith). Também os jovens da pensão Chairman sentem a necessidade de eleger um chefe por sufrágio universal.

Quando Verne exalta a revolta do indivíduo FACE à sociedade, situa-se já muito próxima da perspectiva anarquista. Nas Vinte Mil Léguas Submarinas a bandeira de Nemo é negra, e o Pólo Sul no mapa está livre de qualquer possessão estatal. Esta aparição da bandeira negra e da pirataria é uma constante no universo verneriano. Os camponeses canadianos arvoram-na também quando se revoltam contra os ingleses («Família sem nome») com gritos determinados: «Fora os tiranos; o povo desperta…União dos povos, terror dos grandes…Antes uma luta sangrenta que a opressão pelo poder corrupto». Nesse relato aparece uma bandeira com uma caveira e dois ossos em cruz, com o nome dos governadores detestados, Dalhouise e Craig. Já a bandeira do engenheiro Robur é negra com um sol amarelo, mas a que o pirata Sacratif iça, quando atacava os navios gregos na luta contra os turcos (em «O Arquipélago em chamas») também é uma bandeira negra, desta vez com um S; e é também a bandeira negra que levam os piratas quando sitiam os colonas da Ilha Misteriosa. Ou seja, a bandeira negra aparece na obra de Verne com uma ambiguidade muito significativa, tanto como um emblema de pessoas desprezíveis como nas mãos de heróis positivos.

As Vinte mil Léguas Submarinas é a obra de Verne mais reveladora das suas simpatias libertárias, pelo menos antes da publicação póstuma de «Os Náufragos de Jonathan», sendo oportuno recordar aqui a lenda segundo a qual Louise Michel seria a verdadeira autora da novela, cujo argumento teria vendido por cem francos num dia de fome. Esta lenda, contada desta forma, é obviamente falsa. O manuscrito da obra foi remetido a Hetzel em Dezembro de 1868, isto é, muito antes da data da suposta cedência a Jules Verne. Além disso é praticamente impossível que Louise Michel tenha imaginado o nome de Nautilus ao recordar-se das conchas chamadas «nautilus» que ela encontrara nas praia da Nova Zelândia aquando da sua deportação.

O estudo dos arquivos de Verne talvez revelem que, desde o fim do Império, o autor relacionou-se com a inteligentsia antiautoritária de Paris, como a amizade que manteve com os irmãos Reclús e o seu grupo, e como o seu amigo Nadar, que evoluirá mais tarde para o anarquismo.

Os Náufragos de Jonathan, obra póstuma editada em 1909, foi redigida nos últimos tempos de vida, em data incerta. E não há nenhuma razão para suspeitar da sua autenticidade como fez um erudito italiano da Sociedade Jules VerneNa verdade esta obra, de um vigor excepcional, reincide coerente e explicitamente nas temáticas anarquistas que tinham sido veladamente introduzidas nos volumes das Viagens Extraordinárias. Ninguém, que não Verne, teria sido capaz de operar esse reagrupamento temático. Pode igualmente notar-se que nos Náufragos de Jonathan, tal como em «Filhos do Capitão Grant» e na «Ilha Misteriosa», Verne elabora um plano ternário, mais amplo e mais dramático, enquanto todas as demais produções apenas têm uma ou duas partes, o que significa que se trata de uma obra importante aos olhos do seu autor, já que se sabe que Verne não confiava ao acaso em matéria de composição literária.

Na ilha do Estreito de Magalhães, a ilha Hoste, vive um proscrito, Kaw Djer. Este anarquista abandonou o mundo civilizados, e não conhece outro principio social que não seja a liberdade de cada individuo. Face à civilização, ele prefere a vida primitiva dos habitantes do país. Um navio americano, o Jonathan, naufraga nessas longínquas paragens; os seus passageiros são emigrantes que uma companhia colonial recrutou na Califórnia para os enviar para África. Toda essa gente desembarca em grande confusão e desordem, e Kaw Djer vê-se obrigado, a contragosto, a dirigir, mandar e organizar a vida social dos recém chegados. Graças à carga que o navio transportava, os náufragos preparam-se para ali passar o Inverno. O governo chileno – do qual a ilha depende desde assinatura de uma tratado com a Argentina – concorda em conceder a independência à ilha Hoste desde que os colonos aceitem o compromisso de explorá-la. Daí resultará o nascimento de um povo, e uma experiência de uma sociedade nova. Emerge então uma cidade – Libéria – mas a experiência não é feliz. Políticos socialistas e comunistas criam clientelas particulares incapazes de se organizarem em colectividade.

A fome aparece no Inverno seguinte, e formam-se duas bandas que se envolvem Numa guerra civil entre o grupo do socialista Beauval ( que conseguira ser eleito governador) e o grupo do comunista Dorick.
Pela segunda vez Kaw Djer aceita a função de dirigente cujo princípio o incomoda. Restabelece a ordem, reorganiza a agricultura e o comércio, e derrota uma invasão dos patagónicos, mas assiste impotente à chagada em massa de aventureiros dos 5 continentes, atraídos à ilha pelo ouro, quando são descobertas algumas pepitas.

A desordem reinstala-se e Kaw Djer vê-se obrigado a disparar contra os mineiros em revolta, contando-se mais de mil mortos, e dando o pretexto ao Chile para revogar a concessão de independência da ilha. Kaw Djer abdica, refugiando-se na ilha de Hornos para se entregar a uma vida solitária.

Diversas problemáticas anarquizantes, presentes em toda a obra de Verne, voltam a ganhar relevo nesta novela: o ouro, a propriedade, as fronteiras territoriais e as soberanias estatais. O carácter fictício do ouro como fundamento do valor económico é tanto mais manifesto quanto se trata de uma sociedade nova, logo, livre de todas as convenções. Por outro lado, o direito de propriedade é posto em dúvida. Assim como o problema da apropriação estatal dos territórios do planeta, o carácter fictício e convencional das fronteiras e das soberanias voltam à ribalta com uma acuidade particular.

No início da novela é dito explicitamente que La Magallania é uma terra livre de qualquer poder estatal, tal como o Pólo Sul quando Nemo nele instala a bandeira negra. É sob esta condição que a ilha atrai Kaw Djer que nela decide ficar.

Jules Verne aborda igualmente em «Os Náufragos de Jonathan» o carácter irrisório das declarações de guerra e as formalidades diplomáticas nelas envolvidas. O mundo dos náufragos é um microcosmos que revela ( para Verne) toda a experiência histórica das sociedades humanas.

A dado passo do relato uma jovem quer casar-se contra a vontade do seu pai. Estala então uma crise entre o governador ( o socialista Beauval) e o grupo de amigos de Kaw Djer. Como a tensão aumenta os kaw-djeristas derrubam a ponte de madeira que separa as suas casas da zona ocupada pelos adversários.

O interessa maior da novela radica no facto do autor expor as suas ideias anarquistas por intermédio do protagonista Kaw Djer. Facto tanto mais interessante quanto é certo que Verne tenha quebrado o seu mutismo em matéria política que guardara ao longo da sua obra, para manifestar explicitamente as suas simpatias para com o anarquismo.

Kaw Djer é o único personagem em toda a obra de Verne que desenvolve sistematicamente e de forma coerente uma filosofia política, e tal não se deve a um deslize relativamente ao que então fora seguido por Verne. Todos os comentadores vão neste sentido. Ao longo do relato podemos encontrar toda a predisposição de Kaw Djer para a anarquia. Trata-se do culto da liberdade e da independência. Claramente se vê em Kaw Djer «uma alma feroz, indomável, intransigente, refractária a todas as leis».

Jules Verne toma o cuidado de, em seguida, distinguir dois tipos de anarquistas: uns «corroídos pela inveja e pelo ódio, prontos para a violência e a morte»; outros, «os verdadeiros poetas que sonham com uma humanidade quimérica na qual o mal tenha sido afastado». Escusado dizer que Kaw Djer pertence ao grupo «dos sonhadores e não ao dos profissionais da violência».

O núcleo essencial da novela reside na confrontação trágica entre as concepções anarquistas de Kaw Djer e a sociedade em vias de organização na ilha Hoste após o naufrágio. A novela não relata uma simples aventura juvenil, mas um drama moral com uma intensidade especial.

Kaw Djer vê, com efeito, as teorias rebatidas, ou pelo menos, defraudadas por causa do comportamento dos náufragos: o apego à propriedade, o egoísmo, a aceitação da autoridade alheia, o desprezo pelo interesse geral, e não faltará até a guerra civil para agitar aquele microcosmos. Curiosamente, as convicções anarquistas do protagonista não saíram enfraquecidas, antes pelo contrário, vêem-se reforçadas no balanço final dos episódios relatados .

Em resumo, o anarquismo que Jules Verne nutriu algum interesse e simpatia é o dos anos 1880-1830, antes dos atentados sangrentos ( dos quais as «Viagens Extraordinárias» não fazem qualquer menção). É também anterior ao reencontro entre o anarquismo intelectual e o movimento operário, isto é, o anarcosindicalismo. Por esse facto é que o proletariado da grande indústria está praticamente quase ausente na obra do grande escritor e visionário

Autor: Jean Chesneaux ( tradução e reprodução parcial do seu artigo Drapeau noir)


Alguns livros essenciais:
Cinco semanas num globo (1863)
Viagem ao centro da Terra (1864)
Da Terra à lua (1865)
Aventuras do capitão Hetteras (1866)
Os filhos do capitão Grant ( 1867)
Vinte mil léguas submarinas (1879)
A volta ao mundo em 80 dias ( 1872)
A ilha misteriosa (1874)
Miguel Strogoff (1876)
Os Náufragos de Jonathan ( editado postumamente)


Links:
www.jules-verne.net
www.nantes.fr/mairie/services/responsabilites/dgc/julesverne
www.fredericviron.com/verne/modules/news




A religião do automóvel e a liturgia do divino motor





Ao deus das quatro rodas acontece o mesmo que aos outros deuses: nascem ao serviço das pessoas, quais mágicos conjuros contra o medo e a solidão, mas terminam invariavelmente colocando as pessoas ao seu serviço. A religião do automóvel, com o seu Vaticano nos Estados Unidos, põem o mundo em rodas .

A imagem do Paraíso é simples: cada norte-americano tem um automóvel e uma arma de fogo. Efectivamente, nos Estados Unidos concentra-se o maior número de automóveis assim como o mayor arsenal de armas, que constituem os dois negócios chave da economia nacional.

Em cada 6 dólares que gasta o cidadão médio norte-americano, um é consagrado ao automóvel; e de cada seis horas de vida, o mesmo cidadão reserva um hora para viajar de carro, ou então a trabalhar para o pagar; e de cada 6 empregos existentes no «paraíso», um está directa ou indirectamente relacionado com a violência e as suas indústrias.

Curiosamente quanta mais gente os automóveis e as armas assassinam, mais o Produto Interno Bruto cresce.
Como bem escreve o investigador alemão Winfried Wolf, no nosso tempo, as forças produtivas converteram-se em forças destrutivasSão talismãs contra o desamparo ou convites ao crime? A venda de automóveis é simétrica com a venda de armas, e bem se pode dizer que ambas fazem parte de um todo. Os acidentes de trânsito matam e ferem mais americanos que todos os soldados norte-americanos mortos e feridos na guerra do Vietname, e a licença de conduzir é o único documento necessário para que qualquer cidadão possa comprar uma metralhadoras com ela alvejar a vizinhança A licença de condução serve, além disso, para pagamento de cheques, para a sua cobrança, assinar contratos e realizar vários trâmites.

Nos Estados Unidos a licença de conduzir faz as vezes de um documento de identidade. Bem se pode dizer que os automóveis outorgam a identidade às pessoas.

Diz-me que carro tens e dir-te-ei quem és e quanto vales. Esta civilização que adora os automóveis tem pânico à velhice; o automóvel, promessa da eterna juventude, é realmente o único «corpo» que se pode trocar.
A este corpo de quatro rodas se consagra, além do mais, grande parte de publicidade da televisão, a maior parte das horas de conversa e a maior parte do espaço citadino. O automóvel dispõe de restaurantes, onde se alimenta de nafta e óleo, ao seu serviço estão um sem número de farmácias onde compra remédios, e não lhe faltam hospitais onde lhe fazem revisões, o diagnosticam e o curam, sem falar dos seus dormitórios, onde dorme, e dos cemitérios onde acaba por morrer.

Os automóveis prometem liberdade às pessoas, e não é por acaso que às auto-estradas se lhes chama «freeways», não obstante agem como se autênticas jaulas se tratassem.

O tempode trabalho humano vai-se reduzindo pouco a pouco, mas em troca cada ano aumenta o tempo necessário para ir e vir do trabalho, furando por entre o trânsito caótico. Acaba-se por viver dentro dos automóveis, e já não nos conseguimos soltar. Drive-in by shootting : sem sair do automóvel já se pode apertar o gatilho e disparar, como agora é moda em Los Angeles. Drive-thru teller, drive in restaurant, drive-in movies: sem saiir do automóvel já se pode levantar dinheiro, comer hamburgers e ver filmes. A última novidade é a possibilidade de se casar sem sair do automóvel: é o drive-marriage. No Nevada, o automóvel entra por debaixo de arcos repletos de flores de plástico, por uma janela aparecem as testemunhas, e por outra o padre, que abençoa e declara solenemente como marido e mulher os felizes passageiros. No fim da trajecto encontra-se uma funcionária que lhes entrega o documento sob o nome de Love donation.

O automóvel, corpo renovável, tem sempre mais directos que o corpo humano, condenado à decrepitude. Os Estados Unidos fizeram nos últimos anos uma guerra santa contra o tabaco. Não há publicidade ao tabaco que não tenha advertências contra os malefícios para a saúde pública. Todavia, em nenhuma publicidade aos automóveis se adverte que muito mais monóxido de carbono emitem os carros para a atmosfera.

Ou seja, as pessoas não podem fumar, mas os automóveis podem.

(Tradução e reprodução parcial de um texto de Eduardo Galeano.)

Estados Unidos Manipulam informações



Os Estados Unidos manipulou informações em 1991 para justificar e legitimar a guerra

Em 10 de Outubro de 1990, dois meses depois da invasão iraquiana do Kuwait, uma adolescente kuwaitina de 15 anos, simplesmente identificada como Nayirah, apareceu na Câmara dos Representantes para denunciar os horrores praticados pelas tropas iraquianas na sua ocupação do solo do Kuwait. Com lágrimas nos olhos descreveu então com os soldados tinham entrado no hospital em que trabalhava, entrada feita à força e empunhando armas, e como logo de seguida retiraram 300 bebés das incubadoras onde se encontravam, e os lançaram ao chão. A guerra começou três meses depois desta história ser conhecida.
A história das incubadoras foi então amplamente utilizada por Bush-pai para convencer a opinião pública americana, inicialmente muito recalcitrante à guerra. Só depois do fim da Guerra do Golfo é qu se soube da verdade: Nayiraf era afinal filha do embaixador do Kuwait nos estados Unidos, Saud Nasir al Sabah, e o seu testemunho, claramente falsificado, tinha sido cuidadosamente preparado por uma das maiores empresas internacionais de relações públicas, a Hill and Knowlton
Em 1991, numa reportagem da televisão canadiana, que recebeu um prémio Emmy, Dee Alsop, director da empresa de sondagens Wirthlin Group, que trabalhou com Hill and Knowlton na campanha para vender o produto «guerra», acabou por confessar que naquela ocasião os propósitos da sua equipa eram o de “identificar quais as mensagens que mais podiam comover os americanos”, tendo descoberto que o tema mais sensível era certamente “o facto de considerar Sadam como um louco capaz de cometer atrocidades contra o seu próprio povo”. O mesmo argumento que curiosamente Bush-filho não se cansa de repetir nos dias que correm...


Notícia publicada no El País de 1/2/2003

Cadernos Periféricos


Desfrutar a natureza – mas de carro, de jipe ou de mota: expressão lúdica do humano reduzido à condição de deficiente motor, sem pernas, sem energia própria, dependente de próteses mecânicas para tudo. E ainda por cima chamar a essas coisas «aventura»!!!


Duvido que algum de nós saiba orientar-se pelas estrelas e os solstícios. O nosso sentido da ordem natural embotou-se, tendo-se tornado pouco fiável. A esfera dos nossos instintos reduziu-se, tal como se reduziu a nossa capacidade de conceber a realidade...No entanto, e apesar disso, creio ser possível formularmos uma ideia ética da terra – uma noção daquilo que ela é e do que deverá ser nas nossas vidas quotidianas. E creio sobretudo que isso é absolutamente necessário.


( alguns excertos retirados do nº 5 da revista “Cadernos Periféricos”)



Saíu o nº 5 da Revista “Cadernos Periféricos” com sede e origem em Marvão.
Os interessados na sua consulta podem contactar para o endereço Rua Francisco Alberto Tavares, 13 – 7330-329 Porto da Espada Marvão, Portugal.
Do corpo redactorial fazem parte Carlos Baptista, Júlio Henriques e Vasco Câmara Pestana, entre outros colaboradores.

No sumário do nº 5 podemos encontrar para além de poesia e relatos de literatura oral, textos sobre Educação Ambiental, as sociedades massificadas e factos/acontecimentos que são notícias e motivos para uma reflexão partilhada